Pantanal inaugurou uma nova forma de fazer novelas

Pantanal mudou a maneira de fazer dramaturgia no Brasil. No final da década de 80, as novelas eram produzidas 70% em gravações dentro de estúdios e apenas 30% preenchidos com cenas externas.

A trama de Benedito Ruy Barbosa estreou em março de 1990 no horário nobre da extinta Manchete invertendo esta ordem e se tornou uma das produções mais importantes nesses 40 anos das telenovelas diárias no Brasil. A Globo acabava de emplacar com sucesso a urbana Vale Tudo, de Gilberto Braga, e exibia a verborrágica Rainha da Sucata, de Silvio de Abreu. Pantanal entrava no ar após a novela das oito e rapidamente alcançou e se manteve na casa dos 40 pontos de audiência, uma verdadeira proeza para uma produção fora dos domínios da Globo. “O público adorou conhecer a paisagem de um lugar pouco conhecido do Brasil. O espectador relaxou na frente da tevê com paisagens deslumbrantes e uma história simples”, arrisca Benedito Ruy Barbosa.

A novela relatava a saga da família Leôncio. O patriarca vivido por Cláudio Marzo era um homem simples que havia chegado nos anos 40 no Pantanal e se tornado um dos fazendeiros mais poderosos da região. A trama acompanhava a vida de três gerações da família e tinha no amor da selvagem Juma Marruá e do urbano Jove como o romance central da história. Mas a maneira com que o diretor Jayme Monjardim utilizou a paisagem pantaneira transformou a rica natureza do local em uma espécie de personagem da trama.

Sensualidade animal

Claro que os inúmeros banhos de rios das personagens Juma, Guta e Muda, interpretadas por Cristiana Oliveira, Luciane Adami e Andréa Rixa, ajudaram a atiçar a audiência. Cristiana conheceu o sucesso como a protagonista da trama e garante que na época não se importou em aparecer inclusive em nu frontal na novela. “A Juma tinha uma sensualidade de bicho, sem maldade. Por isso, a nudez estava inserida na trama. Mas após Pantanal comecei a controlar mais as cenas deste tipo. Hoje acho que não tem a ver o ator mostrar o corpo”, confessa a atriz. Mas Cristiana acha injusto dizer que a novela fez sucesso por causa das cenas de nudez do elenco. “Claro que ajudou, mas sem uma boa história por trás não iria dar certo”, acredita a atriz.

Para Paulo Gorgulho, que viveu o patriarca da família quando jovem, Pantanal também mudou o tempo de realização das cenas. Os personagens eram acompanhados em longas caminhadas, em que apareciam apenas envoltos em pensamentos ou contemplando a paisagem. Paulo ainda ressalta que os atores estavam bem mais incorporados pelos personagens, pois gravavam em local isolado da “civilização”. Não havia televisor ou telefone, por exemplo. A comunicação era feita pelos barulhentos rádios amadores. “Não dávamos autógrafo, entrevistas… O elenco estava realmente entregue à produção”, lembra Paulo.

O sul-mato-grossense Almir Sater afirma que a novela também acabou influenciando no próprio mercado de terras da região pantaneira. O músico, que iria fazer apenas uma participação, acabou permanecendo até o fim da trama e se tornou conhecido nacionalmente como o violeiro Trindade. Almir afirma que, por influência da novela, os fazendeiros do Pantanal começaram a abrir pousadas ecológicas e abandonar aos poucos o mercado de pecuária extensiva que sempre dominou a região. “Com isso, os lugares bonitos ficaram caros e o preço da terra ficou irreal. Mas a novela difundiu a beleza do Pantanal para o mundo e abriu um grande campo para o turismo no estado”, garante Almir.

Originais podem se perder

Cássia Kiss possui um material valioso guardado em casa. A atriz tem gravado em fitas VHS os 17 primeiros capítulos de Pantanal, que marca a primeira fase da produção, período em que ela atuou na trama como Maria Marruá, a mãe de Juma. Capítulos da novela registrados em VHS são importantes porque as fitas originais podem estar sendo guardadas em péssimas condições no prédio que servia de sede para a extinta Manchete no Rio de Janeiro. Na verdade, todo o acervo da emissora, composto por quase cem mil fitas, pode se deteriorar se não estiver sendo mantido de forma apropriada. O fato remete ao velho problema da preservação da memória cultural do Brasil e ao hábito das emissoras em reutilizar as fitas. Até 1985, a própria Globo só preservava seis capítulos de todas as suas novelas. Da leva da década de 70, por exemplo, somente 12 tramas foram salvas, como O Bem Amado, Selva de Pedra e Escrava Isaura. De Beto Rockfeller, na Tupi, só restaram seis capítulos atualmente locados na Cinemateca de São Paulo. Dos 596 capítulos de Redenção, por exemplo, a novela mais longa produzida no Brasil, só restou um único capítulo no acervo da Globo. “É uma vergonha porque as emissoras apagavam as fitas para gravar partidas de futebol”, brada Benedito Ruy Barbosa.

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