Pablo Neruda

Uma homenagem a um dos maiores poetas latino-americanos, quando se comemora seu centenário nesta segunda-feira dia 12 de julho.

Pablo Neruda, “detentor de um dos maiores potenciais poéticos existentes em todo o mundo” lhe disse Manuel Bandeira ao saudá-lo no dia 26 de julho de 1945, em nome dos acadêmicos, quando da visita que o poeta chileno fez à Academia Brasileira de Letras.

Geografia do Poeta.

“Encontrei em toda parte pão, vinho, fogo, mãos, ternura.” El canto repartido. In Las uvas y el viento.

Pablo Neruda e a Espanha

Frederico Füllgraf

Entre Pablo Neruda e Octávio Paz, sou dos que timidamente defenderão o último como a “voz mais alta da poesia espanhola” (E. Granell) do séc. 20 devido à modernidade precoce, estrutura e universalidade, também de sua obra ensaística , mas admito que a aura de Neruda induz ao consenso mais fácil; a de um dos grandes poetas-intérpretes do seu século, vivido por nenhum outro com tanta intensidade e paixão.

Não surpreende que a comemoração de seu 100.º aniversário, a completar-se em 12 de julho de 2004 e iniciada na Espanha já em março último com as jornadas da Casa de América, a Sociedade Estatal de Comemorações Culturais e universidades espanholas, evoque o poeta chileno como emblema da esperança – particularmente emblemática para os espanhóis, porque a Guerra Civil espanhola (1936-1939) foi a primeira guerra de resistência ao fascismo e alude à fratura radical de uma sociedade em dois blocos ideológicos irreconciliáveis e à provação da consciência do intelectual além de sua obra, convocando-o à militância.

“Y una mañana todo estaba ardiendo…”

Diplomata de carreira, Neruda chegou à Espanha em 1934, com passagens por consulados espanhóis no Extremo Oriente e de Buenos Aires, a partir de onde constrói estreitíssima relação pessoal com Federico García Lorca, que o introduz na movida madrilenha, apresentando-o aos principais expoentes literários da assim chamada Geração de 27 (Antonio Machado, Vicente Aleixandre, Rafael Alberti, Leon Felipe, José Moreno Villa, entre outros).

Sem a pretensão de influenciar, contudo, a poesia espanhola, que aplaudirá o horizonte amplo e a oxigenação de seus “versos americanos” (Miguel Hernández), Neruda primeiro mergulha na tradição espanhola de Quevedo e Góngora, admitindo ser a Espanha “mi punto de partida: (…), donde está temblando aún la cuna de la sangre”…, incorporando influências que apenas se dissolverão sob o impacto da Guerra Civil. Contempladas pelo viés do contexto histórico, é então possível entender duas rupturas em Neruda: a da superação do boêmio romântico na pessoa física, e a ruptura narrativa e estética na obra poética, que vem de uma etapa explicitamente clássica (e das paixões juvenis em 20 Poemas de Amor…), desemboca na vanguarda surrealista (Residencia en la Tierra) e atinge seu apogeu na transparência; iniciada com España en el Corazón e coroada com o Canto General. A Espanha restitui as raízes a Neruda e a Guerra Civil o politiza:

“… y uma mañana las hogueras / salían de la tierra / devorando seres /

y desde entonces fuego,/ pólvora desde entonces, / y desde entonces sangre. (…)”

(Y una mañana todo estaba ardiendo, 1936)

Compromisso e projeto global

Por um motivo muito nosso, atual, as homenagens a Neruda mundo afora são também emblemáticas. É que nelas poderá reverberar o compromisso de todo o campo democrático internacional na defesa da liberdade. Porque o cenário de guerra hoje globalizado – no qual um país se arroga poderes imperiais afrontando a existência de 4/5 dos habitantes do planeta – está órfão da presença militante de intelectuais generosos. Foi o caso, na Espanha, de Ernest, Hemingway, de George Orwell e de tantos outros outros, como Bertolt Brecht, que militando a distância, emprestaram sua voz à denúncia da barbárie. Orwell chegou a lutar de armas em punho nas fileiras do POUM anarquista, mas Neruda possivelmente tenha transcendido a todos os estrangeiros, empenhando-se na construção do movimento de solidariedade (convocando o Congresso dos Intelectuais Antifascistas de Valência, em 1937) e após a vitória da Falange franquista, na salvação de espanhóis republicanos, mediante a concessão de vistos de emigração para o Chile; missão delicada e revestida de constrangimentos (como na desesperada tentativa de salvar o poeta Miguel Hernández, que acabou morrendo na prisão) pois, como cônsul em Madri, Neruda encontrava-se na Espanha em missão diplomática e não política. Nunca foi provada a acusação de que Neruda tenha rejeitado vistos de imigração chilenos a espanhóis não comunistas, mas o poeta e Rafael Alberti, seu melhor amigo espanhol após o assassinato de Lorca, ficaram devendo à posteridade uma autocrítica (poética que fosse…) de seu encantamento pelo stalinismo (pactuado com Hitler e fratricida na URSS como na Espanha..), que provocou náuseas em Orwell no campo de batalha e a ira de Brecht, após o assassinato do poeta Tretjakov pela Cheka soviética. A História absolve ou apenas absorve? É no poema 2000, porém, que um Neruda enfermo e desencantado faz sua surpreendente mea colpa:

“Piedad para estos siglos y sus sobrevivientes / alegres o maltrechos, lo que no hicimos fue por culpa de nadie, faltó acero: lo gastamos en tanta inútil destrucción (…) tengo vergüenza, tenemos el pudor de los viudos: se murió la verdad y se pudrió en tantas fosas…(…)”.

Resta, como sempre, a esperança, e nela Neruda sobrevive como um de seus símbolos-maiores e expressão de um projeto global como o construído, amorosa e politicamente no “Canto General”, que tanto faz falta neste momento e mundo, dominados pela globalização do capital e das armas, em detrimento da vida.

Pablo Neruda e o Uruguai

Isabel Jasinski

A grandeza de Pablo Neruda desbordou as margens do Chile. Sua carreira diplomática levou-o a ultrapassar as fronteiras nacionais e preencheu-o com paisagens, captadas como imagens pelo poeta contemplador. Nas memórias, confessa que sua poesia e sua vida “têm transcorrido como um rio americano, como uma torrente de águas do Chile, nascidas na profundidade secreta das montanhas austrais, dirigindo sem cessar o movimento de suas correntes até uma saída marinha”. Viveu intensamente sua ligação com o mar. Colecionou conchas como colecionou marinhas em forma de palavras. O poeta marinheiro complementou o poeta telúrico e o político em Neruda.

O Uruguai foi um dos portos de passagem, de todos os países que visitou. As viagens realizadas entre o Chile e a Europa marcaram o homem de ação. Entre seus destinos, o Uruguai representou uma saída para o mar. Porto de partida que expressou um desejo de futuro, porto de chegada que recebeu a memória da experiência. Também um refúgio, uma suspensão do tempo para voltar às sensações íntimas provocadas pelo contato com os elementos naturais, a água, o vento, as cores, os sons: arenas de Datitla / junto / al abierto estuario / de La Plata, en las primeras / olas del gris Atlántico, / soledades amadas, / no sólo / al penetrante / olor y movimiento / de pinares marinos / me devolvéis, / no sólo / a la miel del amor y su delicia, / sino a las circunstancias / más puras de la tierra: / a la seca y huraña / Flora del Mar, del Aire, / del Silencio. Foram inúmeros os poemas inspirados nas paisagens uruguaias, conforme considera José Miguel Varas (Nerudario, 1999, p. 152). Neles, os elementos oceanográficos se associam com a amplitude, o silêncio e o cinza, movimento ou quietude, meditação.

O mar significou uma abertura de consciência sobre as possibilidades de superação do ser humano. A inspiração em personagens uruguaios, o Conde de Lautréamont, ou Artigas, por exemplo, representou um vínculo histórico que serviu de ponte para o resgate de sentimentos como o sofrimento e a solidão. Em “Lautréamont revisitado”, o mar está implícito na condição de desterro do poeta uruguaio. Por outro lado, a obscuridade que caracterizou a figura do autor de Cantos de Maldoror, aponta para o sentimento mórbido que marcou Neruda após a Guerra Civil Espanhola, aproximando-o do terror da morte. Deterrado também porque viajante incansável, o poeta marinheiro Neruda, amante do mar, escolheu navegar pela terra, detendo-se muitas vezes em porto uruguaio.

Pablo Neruda

Delson Biondo

Desde muito cedo Neruda percebeu que sua história era um manancial inesgotável de onde poderia extrair infinitas possibilidades de representação. Ao retratar em seus poemas fatos concretos e às vezes nebulosos de sua própria experiência, conseguiu plasmar as expectativas e os desejos de muitos homens e mulheres, não apenas porque amou intensamente a vida, a humanidade e a si mesmo, mas também porque representou tão bem todas as contradições humanas, com seus acertos e seus erros.

Sua incrível capacidade de efetuar muitas mudanças de pele, renovandos e a cada novo ciclo, juntamente com o seu caráter dramático e apaixonado, fizeram de sua obra um dos mais belos e verdadeiros testemunhos dos acontecimentos do século XX. Esse escritor de grandes ambições e muitas ansiedades não se contentou em realizar uma literatura íntima, de cunho introspectivo e amoroso, mas também almejou fazer uma poesia persuasiva, com sentido e conseqüências sociais, bem como uma poesia clara e sincera que contribuísse com a alegria da vida. Ele se opôs terminantemente à poesia de estilo nobre, bem comportada e preocupada apenas em expressar conceitos filosóficos elevados e transcendentes. Para ele, a lírica precisava “ser manchada pelas mãos de cada dia” e incorporar outras dimensões e sensações: o humor sutil, o sabor das coisas, o prazer pelos objetos terrenos, a rotina prosaica do dia-a-dia, as delícias do mundo natural, a ironia, os sonhos mais alucinantes e os pesadelos mais aterradores.

Em seus 69 anos de vida produziu quase quarenta livros que nos revelam a vasta trajetória de seu pensamento: sob a influência de uma ideologia anárquica da primeira juventude escreveu poemas repletos de um sentimento de solidão e de tristeza romântica, porém, após a avassaladora experiência da Guerra Civil Espanhola, começou a elaborar uma atitude menos pessimista e mais positiva diante da vida e seus problemas, engajou-se definitivamente na luta pela liberdade e produziu uma literatura responsável, combativa e estreitamente vinculada aos sofrimentos e insatisfações dos homens do seu tempo, para finalmente na maturidade atingir uma espécie de sentimento de comunhão com todos os seres vivos e criar uma poesia simples, universal e humanitária, que se espalhasse pelo mundo como chuva para saciar a sede de conhecimento de todos os povos.

Neruda, ao contrário dos “poetas celestes” e inacessíveis, foi um poeta popular dentro e fora do Chile. Amou sua pátria sem ser chauvinista e como nenhum outro foi aquele que melhor soube representar seu país no exterior. Várias gerações de jovens amaram através de seus versos, por eles levantaram bandeiras, neles encontraram refúgio, com eles lutaram e agarrados a eles também morreram. Poucos poetas no mundo conseguiram falar às massas com tanta clareza e verdade como Neruda. Porque esse homem “alegre e outonabundo” foi acima de tudo uma pessoa sempre disposta a oferecer seu afeto, explicar pacientemente as coisas, abrir portas, desbravar caminhos e repartir com os demais o pão de sua poesia.

Semana Neruda: “Geografia do Poeta”

Local:

Auditório Paul Garfunkel

Horário:

19h

Promoção:

Biblioteca Pública do Paraná, em Curitiba

12 de julho

­ Palestra: “Neruda e o Peru”

Palestrante: Gloria Kirinus

13 de julho

­ Palestra: “Neruda e a Espanha”

Palestrante: Frederico Füllgraf

14 de julho

– Palestra: “Neruda e o México”

Palestrante: Delson Biondo

15 de julho

­ Palestra: “Neruda e o Uruguai”

Palestrante: Isabel Jasinski

16 de julho

– Palestra: “Neruda e o Brasil”

Palestrante: Cecilia Zokner

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