Os trinta anos da Jornada da Bahia

E a Jornada Internacional de Cinema da Bahia chegou à sua trigésima edição. A edição comemorativa desta que tem sido um baluarte na difusão e valorização do cinema cultural e de idéias, aconteceu de 11 a 18 de setembro em Salvador. Nesta edição foram também comemorados os 30 anos da ABD/Associação Brasileira de Documentaristas, como ainda foi reverenciada a passagem dos trinta anos da morte do presidente democrático chileno Salvador Allende.

Alguns dos colaboradores pioneiros da Jornada, realizadores, críticos, pesquisadores, que logo abraçaram a causa deste evento cinematográfico, e que tiveram importância para a sua consolidação, já morreram infelizmente (Paulo Emílio Salles Gomes, Cosme Alves Neto, Olney São Paulo, Fernando Cony Campos, Carlos Sampaio), mas há os que estão vivos e que não abriram mão de participar desta edição histórica: Nelson Pereira dos Santos, Vladimir Carvalho, Thomas Farkas, José Tavares de Barros, Paul Leduc (México), Jean Rouch (França) e outros. Participar e homenagear Guido Araújo, criador e o diretor da Jornada, cujo empenho, notório, fez com que esta sobrevivesse a tantas vicissitudes e chegasse ininterruptamente à trigéssima edição.

Guido Araújo, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA), crítico de cinema, é também conhecido pela sua obra documentária, uma das mais importantes do país, e de alcance internacional, não apenas sensibilidade social, incisão crítica, mas também pelo apuramento estético. Basta citar, para tanto, o seu filme “Exilados na Sua Própria Terra”. Guido nasceu em Castro Alves, interior da Bahia. Na década de 1950 morou no Rio de Janeiro, quando fez parte da equipe de Nelson Pereira dos Santos nas filmagens de “Rio 40 Graus”, pilar do Cinema Novo. Depois viveu alguns anos na então Tchecoslováquia, onde ampliou os seus conhecimentos cinematográficos, e onde conheceu a sua mulher, Mila, que lhe deu dois filhos.

Retornou ao Brasil no início da década de 1970, quando foi convidado para lecionar cinema na UFBA, em Salvador. Iniciou então o trabalho na Universidade, mas também atuando no Clube de Cinema da Bahia, e realizando os seus filmes. Daí a sua idéia da Jornada, que iniciando de forma modesta, transformou-se nestes anos num dos principais eventos do cinema das Américas. Durante esta edição dos trinta anos, pôde-se perceber a gratidão e o reconhecimento que a Bahia tem para com Guido Araújo. Por exemplo, na ocasião foi lhe outorgado o título de Professor Emérito da UFBA, em cerimônia realizada no auditório da Reitoria, e que ficou pequeno para acomodar tanta gente, autoridades, a comunidade universitária, a comunidade cinematográfica, familiares, e amigos.

Há que registrar o papel que a Jornada desempenhou no fortalecimento e na busca de caminhos para o cinema brasileiro, num momento (a década de 1970) em que o país vivia o sufoco da ditadura militar. A Jornada, enquanto evento cinematográfico (concurso fílmico, mostras, seminários, encontros), tornou-se um espaço verdadeiramente emblemático de resistência cultural, mas também pugnando pela liberdade de expressão e valorização da identidade nacional. A Jornada não só viu nascer/desenvolver a ABD (edição de 1973), como apoiou os principais movimentos de reivindicação do cinema brasileiro. Daí conquistas como por exemplo a lei de exibição do curta-metragem.

Sem abandonar os princípios que a tem norteado durante estes anos, isto é, o estímulo ao debate, e a priorização de um cinema atento à promoção do homem e da inclusão social, no entanto tem se revelado aberta às mudanças do Brasil pós-redemocratização, às novas tecnologias da comunicação, do audiovisual – a era da globalização.

Registre-se também a contribuição da Jornada ao cinema do Paraná, já na década de 1970, premiando jovens cineastas que realizavam seus primeiros filmes, e que determinaram a renovação deste cinema. Estabeleceu-se também uma colaboração entre a Jornada e a Cinemateca de Curitiba, através da qual jovens paranaenses puderam fazer cursos de cinema em Salvador (cite-se aí a contribuição do setor de cinema da UFBA e do Instituto Goethe), sem falar nas mostras de filmes daí viabilizadas.

A Jornada, que além do concurso/premiação em filme e vídeo, destaca-se também pelas suas promoções paralelas, nesta edição dos trinta anos caprichou. Além dos filmes em concurso de vários países (Cuba, México, Peru, Espanha, Uruguai, e Brasil, dentre outros, a Jornada ofereceu mostras temáticas internacionais como De Olhos Abertos Para o Mundo da Atualidade, e ainda A Nova Produção do Audiovisual Baiano, mais uma retrospectiva dos principais filmes ali exibidos nestes trinta anos. Em conjunto com a UFBA promoveu o seminário Políticas Culturais para um Novo Brasil, com os itens: a regionalização da produção audiovisual televisiva como instrumento de política cultural (que contou com palestra da paranaense Berenice Mendes, presidente da TVE/PR); Políticas para o audiovisual cultural: e Política cultural, comunicação e audiovisual para o novo Brasil.

Por sua vez, o encontro dos trinta anos da ABD, que reuniu representantes de todo o país, compreendeu diversos debates dentre os quais a Regionalização da Produção como Instrumento de Política Cultural; Mídias Alternativas e Inclusão Social; a Economia do Curta-Metragem e do Documentário. Foram montadas também exposições como A Jornada de Cinema da Bahia e a UFBA. Também duas exposições fotográficas: As Jornadas que Eu Vi (fotos de Thomas Farkas) e Jornada, Imagens de Jornal (fotos de Maria do Rosário). Nesta edição da Jornada foram feitas também sessões especiais ou hors-concours como “Glauber Rocha, Filme, Labirinto do Brasil”, o novo documentário de Silvio Tender.

Voltar ao topo