Numa época como a atual, em que o convívio em grupo gera crescentes atritos, Ariane Mnouchkine se mantém determinada na condução de uma companhia de grande porte como o Théâtre du Soleil. “Acho que hoje em dia é mais difícil trabalhar coletivamente. E mais útil porque é uma forma de resistir a esse mundo que exacerba o individualismo. Há manipulação para impedir sonhos, projetos. No entanto, os solidários vencerão”, observa Mnouchkine, em entrevista concedida durante o Festival de Teatro de Curitiba, onde apresentou As Comadres (Les Belles-Soeurs, no original), espetáculo em que reúne 20 atrizes, sem data marcada para desembarcar em São Paulo, mas com estreia confirmada, no Rio, para o próximo dia 11, quinta-feira, no Sesc Ginástico.

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A interação conflituosa é tema de As Comadres, peça do canadense Michel Tremblay escrita em 1965 e montada pela primeira vez em 1968. Germana convida irmãs e amigas para ajudarem a colar um milhão de selos. A anfitriã se aproveita das mulheres que aparecem em sua casa para executar a tarefa, mas elas se mostram dispostas a inverter o jogo de exploração. “Germana se vale do coletivo em vantagem própria. E não se sensibiliza com o sofrimento de mulheres à sua volta”, resume Mnouchkine, que considera que o texto continua pertinente. Percebe a peça como particularmente oportuna ao Brasil. “Talvez a situação das mulheres no Brasil de agora corresponda à delas no Canadá em 1965. Também tenho a sensação de que a condição das mulheres no Brasil é pior do que na França”, compara.

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Mnouchkine, porém, não perde de vista o humor que atravessa As Comadres, texto que ganhou adaptação para o musical em 2008. A encenadora assistiu à montagem de René Richard Cyr em 2012 e ficou bastante impressionada. Mesmo sendo conhecida por forte assinatura autoral, Mnouchkine decidiu levar o texto para o palco, mas permanecendo fiel à criação de Cyr, responsável ainda pelo libreto e pelas letras (a música é de Daniel Bélanger), com direção musical de Wladimir Pinheiro. Tanto que fez a supervisão artística – em vez da direção – de As Comadres. Não por acaso, o público se depara com uma encenação muito diferente das de Mnouchkine na Cartoucherie de Vincennes, espaço nos arredores de Paris onde o Théâtre du Soleil, fundado em 1964, tem sua sede desde 1970. A proporção é reduzida e não há a ritualização que costuma acompanhar os espetáculos do Soleil, a exemplo da tradição de os atores se prepararem para a cena diante dos espectadores, como pode ser conferido pela plateia brasileira nas montagens apresentadas no País, como Os Náufragos da Louca Esperança, a partir da obra de Júlio Verne.

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Seu desafio em As Comadres se concentrou no trabalho com atrizes brasileiras de gerações diversas que não havia dirigido (com exceção de Juliana Carneiro da Cunha e Fabianna de Mello e Souza) – elas, inclusive, se revezam nas personagens – e no empenho em imprimir um timing preciso, fundamental na transposição para o palco dessa comédia doce-amarga de Tremblay, que entrelaça as relações coletivas com as revelações de vivências de algumas das mulheres. “Tentei seguir à risca uma direção que já estava feita – e que é formidável. Foi quase como ensaiar uma coreografia com outras atrizes. Procurei evitar que as interpretações se restringissem a imitações”, explica.