Os Olhos Amarelos dos Crocodilos mostra a falsidade nas relações familiares

Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S.Paulo no Rio, durante o Festival Varilux, o ator e cantor Patrick Bruel fez duas confissões ao repórter. Disse – 1) que está louco para voltar ao Brasil fazendo um show no Rio e outro em São Paulo. Acrescentou que, na França, lota estádios, mas aqui quer fazer alguma coisa mais intimista, num teatro. E 2) seu personagem em Os Olhos Amarelos dos Crocodilos, que estreou na quinta-feira, 2, é muito próximo dele. “Eu também sou assim. Um homem de família, preocupado com tudo e com todos. Consegui entender perfeitamente esse personagem que quer proteger a cunhada da própria mulher, a quem ama. Ele sou eu.”

E, por conta disso deve ter sido mais difícil fazer o papel, não? “Bem observado. Para um ator é sempre difícil interpretar-se a si próprio. Você perde a distância, começa a errar o tom. Felizmente, havia o olhar de Cécile para me conduzir.” Cécile é a diretora Cécile Telerman, que também veio ao Brasil integrando a comitiva de artistas franceses no Festival Varilux. Cécile é belga de nascimento e estudou direito antes de virar cineasta. Ela, inclusive, chegou ao cinema trabalhando no departamento de consultoria legal da Société Française des Auteurs. Só depois, já no ramo, se tornou cineasta. Os Olhos Amarelos é seu terceiro longa (após Tout Pour Plaire e Quelque Chose à Te Dire) e Cécile é também corroteirista e atriz – ela se reservou o papel da mulher do diretor, pois há um no filme.

Olhos Amarelos pode não ser tratado como um, e não é, mas possui um lado novelão que poderia fazer lembrar um Gilberto Braga, se ele não tivesse se enterrado em suas novelas recentes, como essa no ar (e já se despedindo), Babilônia. Como Dancing Days, lá atrás, Olhos Amarelos trata da rivalidade entre duas irmãs, interpretadas por Julie Depardieu e Emmanuelle Béart. A primeira, Joséphine, foi abandonada pelo marido – e os crocodilos são fundamentais na subtrama que o envolve – e agora está tendo dificuldades para se manter, e à família (duas filhas). A outra, Íris, é bem-casada (com Patrick Bruel) e leva o que se pode chamar de existência frívola. Num jantar de negócios do marido, para não ser considerada só uma dondoca, Íris lança a bomba – está escrevendo um livro. Há um editor presente, e ele logo se interessa.

Que livro é esse? A primeira coisa que vem à cabeça de Íris é dizer que se trata de uma história medieval, e essa é a especialidade da irmã, Jo. OK, você já matou a charada. Íris vai forçar a irmã, que não sabe dizer não – e precisa de dinheiro -, a escrever o livro por ela. O resultado supera toda expectativa. O livro estoura no mercado editorial, vira best seller, Íris é promovida a celebridade do momento e, claro, o mercado cobra da autora um segundo livro. Só que, a essa altura, Jo arranjou um namorado, está mais confiante e a rede de mentiras de Íris começa a ruir. Na verdade, é a família toda – pois Jo e Íris têm uma mãe, para a qual a segunda é a favorita – que desaba.

Em encontros com a imprensa e o público, no Rio, Cécile enfatizou sempre que esse era o aspecto do filme que mais lhe interessava. “O mercado editorial, a sociedade da imagem e o culto da celebridade são certamente importantes, mas, para mim, desde que li o livro de Katherine Pancol (NR – escritora francesa nascida no Marrocos), o que mais chamou a atenção foi a complexidade das relações familiares. A família deveria ser uma coisa, mas em geral é outra, uma sucessão de chantagens, cobranças e essa incrível facilidade que as pessoas têm de fazer mal sem se questionar nem dar conta. Íris é uma personagem com a cara do mundo atual. Creio que conseguimos fazê-la nuançada, sem cair na caricatura.”

Quando fala no plural, Cécile está acrescentando a atriz, a sexy Emmanuelle Béart, que, entre outros papéis, foi a bela intrigante de Jacques Rivette no filme de mesmo título. “Emmanuelle é essa força que você vê na tela, uma mulher muito sexy e bonita, mas com perfeita consciência, como atriz, de que tudo isso compõe apenas o exterior. O interior de Íris é um mistério que nós duas tentamos iluminar com sutileza. Por que essa mulher é assim? Tem a ver com o histórico familiar. Íris foi sempre ligada à mãe, Jo era mais ligada ao pai, que morreu cedo. O que mais gosto em Os Olhos Amarelos dos Crocodilos é que muitas coisas decisivas estão na tela en passant. O livro tem 650 páginas, é um calhamaço bem escrito, mas com muitas partes puramente descritivas. Transformá-lo em cinema exigiu desprendimento. Foi preciso jogar muita coisa no lixo. Existem filmes reiterativos, que ficam batendo na mesma tecla. O nosso confia na perspicácia do público. E das mulheres. Aqui mesmo, no Rio, são elas que mais querem discutir o filme.”

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