Os novos olhares sobre as mães

Foi-se o tempo em que colocar mães solteiras na teledramaturgia brasileira causava polêmica. Enquanto nas décadas de 60 e 70 tocar no assunto da gravidez de uma mulher solteira em uma trama de novela era mais do que delicado, com o passar das décadas virou algo corriqueiro. Na verdade, hoje em dia o tema está superado. Tanto que em todas as novelas brasileiras que estão no ar existem uma ou mais personagens que são mães solteiras sem causar estranheza no público ou provocar polêmica. Pelo contrário. Incluir personagens femininas com filhos e sem maridos é usual para os autores. “As novelas evoluíram com a sociedade brasileira e ser mãe solteira não é novidade. As tramas refletem os costumes e, por isso, o público não rejeita mais esse tema como antes”, afirma Glória Perez, autora de “O Clone”.

Para se ter uma idéia de como o assunto “mãe solteira” chegou a causar alvoroço no Brasil, em “O Direito de Nascer”, exibido pela Tupi em 1964, a personagem principal da novela virou assunto por ter engravidado antes de se casar. Nathália Thimberg, que interpretou o papel, lembra que a personagem causou todo tipo de discussão na época e chegou a provocar a mudança de horário da produção, que passou das 21:30 h para depois das 22:40 h por determinação judicial. “Naquela época, ser mãe solteira era considerado pecado”, ressalta a atriz. Bem diferente é a situação, por exemplo, de Fernanda Nobre, que vive a mãe solteira Bia em “Malhação”, programa exibido antes da novela das seis. Tocar no assunto gravidez na adolescência é quase que uma obrigação no “folheteen”, já que o objetivo é orientar o público. “O legal é que nunca confundiram a personagem da novela comigo. É uma prova de que este preconceito já está superado”, acredita Fernanda.

Novos tempos

Na verdade, os autores utilizam o universo de uma mãe solteira sem disfarçá-lo como antigamente. Uma prova disso é a personagem Rosana, vivida por Aline Moraes em “Coração de Estudante”. A atriz interpreta uma mãe solteira que estuda Agronomia e não pensa duas vezes antes de deixar o filho em casa para cair na noite. No caso de Aline, o papel é quase autobiográfico. A atriz de 19 anos também é filha de uma mãe solteira. A diferença é que a mãe a deixava com a avó para estudar. “Apesar de não ser mais polêmico, o assunto mãe solteira interessa ao público, pois muitos espectadores conhecem mulheres nessa situação”, acredita Aline.

Uma das produções que mais contribuíram para que mãe solteira deixasse de ser um tema polêmico na televisão brasileira foi “Malu Mulher”, seriado exibido pela Globo em meados da década de 70. A protagonista era Regina Duarte, que hoje vive a rica e carente Andréa Vargas em “Desejos de Mulher”. Na época, ela era parada nas ruas por mulheres que pediam conselhos sobre como criar os filhos longe dos pais. “`Malu Mulher’ refletiu o que a sociedade passava no Brasil. As mulheres estavam ficando independentes e o seriado ressaltou isso”, analisa a atriz. Aliás, foi em “Malu Mulher” que o público brasileiro assistiu pela primeira vez a uma cena, feita por Regina Duarte, em que se simulava um orgasmo. Algo bombástico na época, independentemente da personagem ser solteira ou casada.

Umas das personagens que mais provoca polêmica atualmente é Deusa, interpretada por Adriana Lessa em “O Clone”. No entanto, a questão suscitada não é se ela cria o filho sozinha ou não, mas se a própria criança que ela viu crescer em sua barriga é de fato seu filho diante da Justiça. Isso porque o rapagão Léo, vivido por Murilo Benício, é fruto de uma clonagem e não de uma inseminação artificial, como a personagem supunha. Assim como Cláudia Abreu ajudou a debater a possibilidade de mulheres emprestarem a barriga para casais terem seus filhos em “Barriga de Aluguel”, escrita pela mesma Glória Perez em 1990, Adriana acredita que a sua personagem também levanta uma velha discussão em torno da maternidade. “Mãe não é só quem gera, mas quem se dedica à criança. No fundo, é isso que acho que a Deusa ensina em `O Clone'”, orgulha-se a atriz.

Paternidade involuntária

Duas personagens, pelo menos, chamam a atenção por sua relação com a maternidade. Uma delas é Carla, vivida por Juliana Paes em “O Clone”. A personagem suburbana garante que engravidou de Tavinho, interpretado por Vitor Fasano. Só que a bela morena nunca fez sexo com o indivíduo e nem ao menos o conhece. Neste caso, a personagem serve para a autora Glória Perez discutir o fato de algumas mulheres usarem a própria maternidade para “subirem na vida”, além de utilizar métodos como a inseminação artificial para terem seus bebês. Só que o filho de Carla pode ter sido fruto de uma transa entre ela e Léo, o clone vivido por Murilo Benício. Neste caso, Juliana seria a primeira atriz brasileira a viver uma personagem que tem o filho gerado com um clone. “É a evolução dos tempos nas novelas. Há poucos anos, ninguém imaginou que isso poderia acontecer”, surpreende-se a atriz.

Já a personagem de Silvia Pfeifer em “Desejos de Mulher” é uma forma de Euclydes Marinho brincar com a ânsia de maternidade das mulheres. É que Virgínia quer porque quer engravidar de Ariel, papel de José Wilker. O detalhe é que o personagem de Wilker é efeminado e não inspira nenhum tipo de vigor para que a maternidade de Virgínia finalmente seja sacramentada. “A minha personagem querer ser mãe é mais um gancho para o autor incluir a comédia no texto. Mas não é um caso de outro mundo, não”, brinca a atriz.

Sem direito de nascer

# Em 1978, época da censura, um bebê de mãe solteira não tinha o direito de nascer nas novelas. Em “Gina”, da Globo, a personagem Zelinda, de Fátima Freire, teve sua gravidez “interrompida” pelos censores. Só quando se casou com Afonso, papel de Diogo Vilela, a jovem pôde, enfim, ser mãe.

# O seriado “Malu Mulher”, em 1979, foi o primeiro a mostrar uma jovem que decidiu fazer aborto em uma clínica clandestina para não se tornar uma mãe solteira. A personagem foi vivida por Lucélia Santos no episódio “Ainda não É Hora”.

# Solange, a intrépida jornalista interpretada por Lídia Brondi em “Vale Tudo”, exibida em 1988, tornou popular o termo “produção independente” no Brasil. Era desta maneira que ela se referia ao filho que esperava do ex-namorado.

# Em “Bebê a Bordo”, escrita por Carlos Lombardi em 1988, a protagonista Ana, papel de Isabela Garcia, teve o filho em um táxi após realizar um assalto. O pai da criança foi praticamente ignorado a trama inteira.

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