Os 35 anos de dois festivais de música que marcaram época

O ano de 1968 ficou marcado como um momento de mudanças nos costumes. No Brasil, o IV Festival da Música Popular Brasileira, da Record, e o III Festival Internacional da Canção – FIC, da Globo, realizados em setembro e novembro, respectivamente, foram o principal palco de manifestações ideológicas e culturais. Por outro lado, a ditadura tomava a mais rigorosa medida do regime: o Ato Institucional n.º 5 – AI-5 -, baixado em dezembro, eliminou uma série de direitos dos cidadãos, entre eles o “habeas corpus”.

“As questões políticas tinham pouco efeito no Festival da Record. O FIC foi mais afetado, como nos episódios com Caetano e Geraldo Vandré”, destaca Solano Ribeiro, que dirigia, na época, o evento da Record.

Os acontecimentos a que Solano faz referência mostram a faceta ideológica dos festivais. O primeiro se deu com Caetano Veloso na chamada “Fase Paulista” do FIC, na qual eram realizadas as eliminatórias. Por causa do momento político do País, parte da juventude esperava que os artistas fossem diretos nas críticas ao regime militar. Esse público não via na música dos artífices da Tropicália, como Caetano, uma forma ativa de manifestação. Quando o cantor subiu ao palco para defender É Proibido Proibir, composta em homenagem a Cacilda Becker – constante vítima da censura -, foi vaiado incessantemente. Respondeu com um discurso inflamado contra o que chamou de “patrulha ideológica”. “Se vocês são em política como são em estética, estamos feitos”, protestou, prosseguindo com a performance que o classificou à final.

A esperada contundência no discurso, os jovens encontraram em Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores, de Geraldo Vandré. Versos como “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer” tornaram-se palavras de ordem e fizeram da música um hino. Aclamado pela platéia, Vandré ficou em segundo lugar no FIC. A canção vencedora foi Sabiá, de Chico Buarque e Tom Jobim, interpretada por Cynara e Cybele – do Quarteto em Cy. As vaias às irmãs e aos jurados motivaram o próprio Vandré a dirigir-se ao palco e tentar acalmar os ânimos. Em vão. “O palco virou arena política e o festival se transformou em festivaia”, lembra o cantor Jair Rodrigues.

O resultado gera polêmica até hoje, devido à interferência dos militares, que já tinham trabalho suficiente para desmentir nos quartéis os versos que diziam que os soldado deveriam “morrer pela pátria e viver sem razão”. “Havia pressão política, sim. Os militares não queriam que o Vandré ganhasse com aquela música e a Globo acatou”, garante Solano Ribeiro, que conta detalhes dos festivais no livro Prepare Seu Coração. Alheio ao embaraço de Cynara e Cybele no palco e de Tom Jobim, na platéia, Chico Buarque, da Itália, enviou um espirituoso telegrama às cantoras. “Eu sabiá, eu sabiá, eu sabiá”, vibrava à distância.

Tropicalismo

Em contrapartida à turbulência do FIC, os destaques do Festival da Record se concentraram na parte musical propriamente dita. Solano Ribeiro aponta o concurso de 1968 como a consolidação do tropicalismo, mesmo que sem o brilho do ano anterior – quando Caetano e Gilberto consagraram-se com Alegria, Alegria e Domingo no Parque, respectivamente. Gal Costa despontou ao cantar Divino Maravilhoso e Os Mutantes defenderam 2001, composta por Rita Lee e Tom Zé. Este, por sinal, venceu o festival com São São Paulo. “O festival de 68 foi a cristalização do tropicalismo”, define Solano, que considera o local das apresentações como parte fundamental para a dicotomia entre os dois eventos. As apresentações do Festival da Record aconteciam no teatro da emissora, um local que propiciava um som de qualidade, estimulando um maior apuro artístico. A fase final do FIC, por sua vez, era realizada no Maracanãzinho, no Rio. A acústica do ginásio, sem os recursos técnicos de hoje, levava a dispersão do som. “Por isso, havia uma atração maior para questões visuais, de atitude, de imagem dos artistas”, destaca Solano.

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