Está no DNA da indústria cultural gerar, deglutir e descartar novidades, a fim de realimentar o circuito do consumo de massa. A frase é antiga, mas perfeita para os maestros clássicos. Agora mesmo, as principais orquestras norte-americanas contratam maestros jovens, na esteira da Filarmônica de Los Angeles, que acertou na mosca com Gustavo Dudamel anos atrás.

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Esta semana, a Sinfônica de Boston contratou Andris Nelsons, letão de Riga como Mariss Jansons. Nelsons vinha sendo apontado como um dos candidatos a substituir Simon Rattle, com data marcada para sair da Filarmônica de Berlim. Em seus 36 anos, ele deve ter se assustado. Disse que prefere deixar Berlim para mais tarde.

Não se discute a competência e o talento de Dudamel ou Nelsons. Mas o que está em jogo é acima de tudo o puro marketing, todos em busca da próxima figurinha midiática. Talento pra quê?

Há excepcionais maestros invisíveis para a grande mídia, que, no entanto, são fulgurantes do ponto de vista artístico. Construtores de orquestras como o britânico Frank Shipway, que nós brasileiros conhecemos e nos deslumbramos desde seu primeiro concerto com a Osesp. Foi uma parceria rara. O melhor CD da Osesp, entre os mais de 50 do portfólio da orquestra, é a Sinfonia Alpina, de Richard Strauss.

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A promissora integral sinfônica de Strauss com Shipway e a Osesp interrompeu-se com sua morte aos 79 anos, semanas atrás, num acidente de carro. Seu derradeiro legado à frente da Osesp chega agora ao mercado internacional, em lançamento da BIS em CD superáudio gravado na Sala São Paulo em julho de 2013. O ótimo violoncelista Christian Poltéra sola concertos do inglês William Walton e do alemão Paul Hindemith. Dois ótimos bônus solo completam o CD.

De Walton, Poltéra toca a densa Passacaglia, uma de suas peças derradeiras, de 1979, que ele escreveu para Rostropovich; e de Hindemith uma sensacional e rara sonata de 1923, seis anos antes de ele ser o solista do concerto de viola de Walton e ambos se tornarem amigos.

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Em junho do ano passado, Shipway regeu Paul Lewis no concerto no. 1 de Brahms e conseguiu um milagre na Quarta Sinfonia de Sibelius. Estabelecendo rara sintonia com os músicos, ele a transfigurou. A Osesp parecia uma orquestra europeia – pela profunda sonoridade e encorpada textura das cordas, excelência das madeiras e senso arquitetônico de continuidade normalmente ausente nas execuções rotineiras.

Por que a adesão era total à concepção musical de Shipway? Ora, seu credo artístico era simples. Primeiro, ter consciência de que, desde cedo, os músicos estudam para ter grandes carreiras como solistas. Após a doída consciência de que não são bons o suficiente para tanto, optam pela vida na orquestra. Assim, durante décadas afogam seus instintos artísticos e curvam-se à vontade dos que ocupam o pódio. É fundamental, portanto, que os maestros tentem reacender a chama quase extinta. Mas só isso não basta.

O maestro tem de construir, moldar um estilo para a orquestra. Afinal, as grandes orquestras são reconhecidas por terem estilos próprios. Não se faz boa música se os instrumentistas agem como caixas de supermercado. Não por acaso, os músicos da Osesp sempre o aplaudiam batendo os pés com entusiasmo.