Orlando Villas Bôas, Inami Custódio Pinto e a causa do índio

A celebridade do sertanista e indigenista Orlando Villas Bôas (1914-2002), é rememorada pelo folclorista e professor Inami Custódio Pinto, de Curitiba-PR. “Eu o considero um dos maiores humanistas do século passado, cuja vida e obra junto aos índios, por 46 anos, é admirada no mundo inteiro, a quem presto minhas homenagens póstumas.”

Inami Custódio Pinto conta que conheceu Orlando Villas Bôas em 1962. “O Orlando foi convidado por Wilson Coelho Pinto, fundador e diretor do curso de língua tupi, da Secretaria de Educação, com sede no Instituto de Educação do Paraná, em Curitiba, com a finalidade de ministrar palestras para a primeira turma de 60-62.ª Depois disso, Inami passou a lhe enviar correspondências periódicas, porque tinha interesse em conhecer sempre mais os índios e a língua tupi. Com esse objetivo, passou a lhe fazer visitas, quando Orlando se aposentou e foi morar em São Paulo, onde acolhia índios que o auxiliavam com depoimentos por meio de linguagem, sons e mímicas nas palestras que defendiam a sua causa. “Em seu apartamento, hospedava seus amigos de diversas tribos com quem conviveu no Parque Nacional do Xingu e dos quais se fazia acompanhar em suas palestras. Entre eles existiam índios com ensino superior, professores de português e nhengatú (tupi). O Orlando dizia que o maior pecado é aculturar o índio. É importante respeitar sua cultura e seu modo de ser. Hoje os cientistas e professores índios continuam com seus costumes e ensinam as duas línguas aos filhos para não perderem a identidade”, lembra Inami.

“O Wilson tinha um tio-avô coronel, chamado Coelho Pinto, que era sertanista e lutava em favor dos índios. Foi ele que passou todos os conhecimentos indígenas para o neto. Então o Wilson convidou o Orlando com os índios, e eles vieram diversas vezes para que a turma que estudava a língua tupi, os mitos e as danças indígenas tivessem a noção exata de como eram. Um deles se chamava Apoema e veio para Curitiba acompanhando o Orlando. Inclusive ele estudava há mais de 15 anos as ervas medicinais e os conhecimentos milenares da medicina indígena, que passavam de geração em geração, sendo orientado pelo Pajé da sua nação indígena, que o preparava para substituí-lo nesta função”, disse o professor Inami.

Orlando Villas Bôas teve como professor nada menos que o Marechal Cândido Rondon, que lhe transmitiu todos os conhecimentos indígenas e segredos coletados em anos e anos de convivência. Rondon criou, em 1910, o SPI-Serviço de Proteção ao Índio e projetou o primeiro parque indígena brasileiro na região do Xingu. “Foi dele que Orlando Villas Bôas aprendeu que “uma língua que se perde é uma página da história que vai para o lixo” E “morrer se preciso for, matar um índio, nunca”, dizeres que Orlando fazia questão de repetir diversas vezes em suas palestras e conversas informais”, lembra Inami.

Orlando Villas Bôas acompanhou Inami para conhecer os índios do Paraná. Relata que viu os usos e costumes da nação Caingangue paranaense. “O Orlando os achou muito interessante, mas não pôde continuar me acompanhando, porque na década de 60, época do regime militar, a aproximação dos índios era meio proibida, porque viviam em zona considerada de segurança nacional.”

O antropólogo Inami disse que “o último contato com Orlando, na selva, ocorreu em 1975, quando visitamos os Xavantes de Sagradouro e Aldeia Nova, esta próxima ao Rio das Mortes em Mato Grosso que estava em construção. Villas Bôas me explicou que os Xavantes, apesar dos 20 anos de contato com outras culturas, mantiveram sua identidade e esta é sua principal característica. Lá encontramos professores do museu de antropologia da PUC de Campinas-SP para uma pesquisa, coordenada por Desiderio Aytai, Elaine Marquês Zanatta e Kimson S. Laut. Entre as informações, coletaram a dança indígena Corrida do buriti.”

Projeto Tupi-português e Português-tupi. Inami e Orlando tinham dois projetos. Queriam fazer um dicionário tupi. “Mas essa realização, o primeiro projeto, não foi possível porque não havia verba, ou seja, faltou interesse oficial.”

Segundo o folclorista paranaense, havia uma lei que obrigava o ensino do tupi no curso superior na década de 60. “Alceu d’Alligna era tupinólogo e conseguiu lecionar na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Este era o sonho do Orlando. Como se aposentou com um tiquinho de nada e vivia de palestras pois se dedicava integralmente às causas indígenas, gostaria de lecionar. Juntamente a este desejo de Orlando, o segundo projeto era ensinar a língua tupi nas escolas. Para tanto, nos reuniríamos com os professores brasílicos (de gente e coisas indígenas do Brasil), antropólogos, filólogos e estudiosos (tupinólogos), como eu, e organizaríamos vocabulário e gramática com sons familiares às duas línguas: tupi-português e português-tupi, pois, apesar de ter estudado por meio século a língua que todos os brasileiros deveriam conhecer, com tupinólogos famosos e, pessoalmente com Orlando e vários indivíduos da grande família lingüística Nhengatú e ramo Avanheem (Guarani), foi árdua a tarefa de nos fazer entender quando em visita às nações indígenas, com o objetivo de aprender a conhecer a cultura indígena.” Este projeto também não se realizou. Faltou interesse das autoridades culturais.

Embora isso tenha ocorrido, o professor Inami, que prepara um livro sobre o folclore paranaense, tem um dos capítulos voltados à língua tupi. “O interesse é que as gerações futuras entendam que os nomes de locais, rios e montanhas brasileiras, entre outros, são de origem tupi, uma vez que muitos não sabem o seu significado”. Exemplos: Guabirotuba: muito rato; Guaipira: deusa da história; Guayrá: cascata; Itatinga: ouro branco; Ivay: rio das flechas; Guairacá: lobo dos campos.

Admirador de Orlando Villas Bôas, Inami relata não ter perdido suas palestras quando vinha a Curitiba. “Gravei essa afirmação dele: Quando deixar esta vida, não chorem por mim, apenas alguém tome o meu lugar junto aos nossos irmãos tão carentes de amor e melhor compreensão; pois, como eles, acredito também que nunca morre o homem que repartiu amor… ele reviverá na lembrança dos homens, nas matas, rios, montes, animais, aves, flores e em tudo o que existe na terra, em tudo que Deus criou e que ele soube preservar, em tudo aquilo que se chama amor.”

Zélia Maria Bonamigo é jornalista especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail:

zeliabonamigo@terra.com.br

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