Na origem de Morto Não Fala, o longa de Dennison Ramalho que estreia nesta quinta, 10 – depois de rodar 40 festivais de todo o mundo e estrear, por streaming, em países como EUA e Austrália -, está o conto do jornalista Marco de Castro, publicado em seu blog, Casa do Terror.

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Quem já se acostumou ao cinema brasileiro de gênero, mas ainda guarda algum complexo de inferioridade, achando que o terror dos gringos é melhor, vale destacar que o New York Times não deixou por menos e colocou The Nightshifter no mesmo plano de Nós, de Jordan Pelle, entre os melhores do ano. No site Rotten Tomatoes, o índice de aprovação é de 92%. E tudo começou com o que seria uma série, quando a Globo encomendou um projeto à Casa de Cinema de Porto Alegre. A produtora Nora Goulart foi atrás de Dennison, que fazia doutorado de cinema nos EUA, na Universidade Columbia. A série terminou virando filme – você já deve ter visto as chamadas e o trailer na TV, porque a Globo tomou a si a divulgação.

Para quem se queixa da falta de visibilidade da produção brasileira no mercado – só nesta semana estreiam 12 filmes, dos quais 8 são nacionais e a maioria entra para o sacrifício, em uma ou duas salas, um ou dois horários -, é bom saber que Morto Não Fala entra com chance de faturar. O filme, aliás, foi produzido sem leis de incentivo, outra prova de que todo mundo envolvido acredita no produto.

O filme traz Daniel de Oliveira como legista num necrotério. Acostumado a viver entre os mortos, ele conseguiu entabular a comunicação com eles. Os mortos não só falam como fofocam, e lhe contam que sua mulher está tendo um caso. Possesso, Daniel, que se chama Stênio, manda matar o rival. A sede de vingança só não vira comédia de erros porque o objetivo não é fazer rir, mas provocar medo. Um drama de erros, brinca a atriz Fabiula Nascimento, que faz a mulher. Uma coisa leva a outra, ela também quer se vingar e a desgraceira vira bola de neve.

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Diretor de curtas, Dennison não se admira tanto com a acolhida a Morto Não Fala em festivais de gêneros. Admira-se, isso sim, que curadores de festivais não segmentados tenham visto as qualidades do filme e o tenham apresentado com obras com referencial de arte.

Dennison curte o gênero, como sabe quem viu seus curtas, mas, como roteirista, está ligado à série Carcereiros. “Tudo o que tenho feito, de uma forma ou outra, me liga ao necrotério ou à prisão. O Marco (de Castro) é repórter policial, conhece esse universo. Muita gente chegou a fazer a ligação entre Morto Não Fala e o cinema de George Romero – A Noite dos Mortos-Vivos – porque, mesmo que não quiséssemos, a morgue vira representação da sociedade brasileira. Naquelas mesas em que o Stênio trabalha tem negros demais mortos, e vítimas da violência policial. A preocupação foi sempre fazer um terror de matriz brasileira, taí nossa contribuição.”

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Não apenas. Stênio/Daniel, além de dar duro nas noites do necrotério, mora numa periferia violenta e é detestado pela mulher – a que o trai. Daniel embarcou no clima mórbido e noturno. “Chegou a aprender a costurar cadáveres”, resume o diretor.

Fabiula Nascimento, que faz sucesso na atual novela das 7 – Bom Sucesso -, curtiu demais a experiência terrorífica (apesar das horas de maquiagem, todo dia). “Esse negócio de gritar (e ela grita ao telefone) é muito divertido.” Jamie Lee Curtis tornou-se conhecida como rainha do grito, screaming queen, na ficção de Hollywood. Marco Ricca e Bianca Comparato, como filha dele, completam o elenco principal. A personagem de Fabiula não é flor que se cheire, mas o marido – Stênio – é um canalha. Machista, não suporta ser traído e começa toda essa confusão.

Dennison Ramalho reflete: “A ambiguidade moral é própria do cinema de gênero, e do terror. São personagens que viajam no seu lado sombrio, mas também é própria do gênero a ideia da redenção. Existe a possibilidade de que o tema surja principalmente na série – sim, há boa possibilidade de que Morto Não Fala termine virando série”.

Justamente, os mortos que falam. Se os caras estão mortos, e imóveis, como podem falar? “Tem trucagem nisso. Providenciamos bonecos idênticos aos atores, e são eles que movem os lábios. Da junção digital de bonecos e atores sai a fala. É um recurso simples, mas em todo o mundo as pessoas curtem.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.