O retorno dos sonhos

Quando é indagada se tem um sonho de consumo, Lúcia Veríssimo dá sempre a mesma resposta: uma máquina do tempo. Aficionada pelo mundo rural, a atriz adoraria voltar ao passado para visitar propriedades antigas. Por isso, adorou quando soube que começaria a novela “Esperança” por uma propriedade do Século XIX, a Fazenda Santa Gertrudes, em Rio Claro, no interior de São Paulo. Foi lá que Lúcia gravou as primeiras cenas de Francisca, a durona baronesa do café da saga de Benedito Ruy Barbosa. “Já conheci muita fazenda pelo Brasil afora e fiquei impressionada com o tamanho daquela. Eu também tenho uma fazenda em Minas e, sinceramente, eu me senti humilhada”, brinca, às gargalhadas.

Longe das câmaras, Lúcia Veríssimo se revela uma pessoa espirituosa. Capaz até de fazer piada com as quatro hérnias de disco que a impedem de fazer o que mais gosta: cavalgar. “O médico me aconselhou a fazer balé. Já imaginou?”, ironiza. A inexorável passagem de tempo não altera o bom humor dessa carioca de 43 anos. Quando recebeu o convite para “Esperança”, o diretor Luiz Fernando Carvalho logo avisou que a personagem era mãe de dois adolescentes. “‘Puxa, já fiz a mocinha e agora estou fazendo a mãe da mocinha…’. Comigo não tem disso. Não tenho o menor problema com a idade”, frisa.

Lúcia Veríssimo não esconde a satisfação com o atual trabalho. E nem poderia. Ela se sente feliz por interpretar um papel importante numa novela das oito, depois de ter sido mal-aproveitada pela emissora em diversas ocasiões. Embora se recuse a entrar em detalhes, deixa transparecer que guarda mágoas de dois diretores da casa: Herval Rossano, que a impediu de fazer “As Três Marias”, e Daniel Filho, com quem se indispôs nos anos 90. Mas tudo isso, completa, já passou. Hoje, prefere se preocupar apenas com as quase 15 cenas que grava por dia e com as constantes viagens que vai fazer para a bucólica Santa Gertrudes. “Sou uma pessoa muito ativa e adoro quando estou trabalhando. Mesmo quando viajo a lazer, levo sempre uns cinco projetos na bagagem”, observa.

P

– Você volta às novelas depois de quase três anos. O que a levou a aceitar o convite para fazer “Esperança”?

R

– Foi o convite ter vindo de onde veio. Eu estava viajando quando o Luiz Fernando me telefonou. Quando recebi o recado, não entendi nada. Não sabia que ele ia dirigir a próxima novela das oito. Não me ligo muito nessas coisas. Liguei para a secretária dele e perguntei: “O que Luiz Fernando quer comigo?”. Ela deu uma risada e respondeu: “A senhora é atriz e ele, diretor. E ele vai fazer a próxima das oito. Deve ser isso…”. Eu já tinha trabalhado com o Benedito, mas com o Luiz Fernando seria a primeira vez. Por isso, fui conversar com ele de peito aberto. Fosse qual fosse o convite, iria aceitar.

P

– O que mais surpreendeu você na “coronela” Francisquinha?

R

– A Francisquinha é muito radical. Às vezes, fico boquiaberta com as coisas que ela fala: “Cala a boca porque o seu lugar é na senzala e não aqui dentro de casa” ou então “Se você estiver grávida desse italianinho, prefiro que você morra no parto”. E o pior de tudo é que existem pessoas parecidas com a Francisquinha por aí. Quando o Luiz me chamou para fazer a novela, ele me disse: “Toma, leva a sinopse para casa e vê se aceita ou não”. Eu respondi: “Não, eu vou ler aqui mesmo!”. E fiquei lá, lendo o roteiro na sala dele no Projac. A Francisquinha não é uma coisa apenas. Ela tem milhares de nuances. Como, aliás, todos os personagens da novela.

P

– Guardando as devidas proporções, vocês têm algo em comum?

R

– Eu entendo bem o que a Francisquinha passa. Ela é uma mulher jovem, bonita e vive no meio rural, um ambiente que dificilmente aceita a figura feminina. Eu também sofri isso na pele. Foi difícil fazer com que meus empregados me respeitassem dentro de casa. E a Francisquinha é dona de 1 milhão e 800 mil pés de café e quase 1200 empregados. Já imaginou? É por essas e outras que ela tem de trazer a fazenda debaixo do chicote. Evidentemente, não tenho a mesma austeridade dela. Muito pelo contrário. Meus empregados são como sócios numa grande empreitada. Já a Francisca é de outra época. A cultura dela é escravagista. Não dá nem para comparar.

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