O prazer da experiência

Paulo Betti não se deixa acomodar com fórmulas prontas e “macetes” de vídeo. Tanto que vem experimentando um novo tom de interpretação para viver o “Don Juan” Alex Müller, de “Desejos de Mulher”, que não estava previsto na sinopse do autor Euclydes Marinho. Foi injetado na trama para movimentar o morno triângulo amoroso entre os personagens de Glória Pires, Cássio Gabus e Eduardo Moscovis. Para o ator, trata-se de um “gostoso exercício”, onde ele busca um tom ao mesmo tempo “naturalista e teatralizado”. “É uma pequena experiência. Sem muito risco”, diz, com um sorriso no canto dos lábios.

O jeito descompromissado com que fala de seu trabalho atual não é descaso. É, na verdade, um reflexo do momento profissional de Paulo Betti. Com 27 anos de carreira e mais de 20 novelas no currículo, o intérprete de tipos tão marcantes quanto distintos – como o divertido Timóteo, de “Tieta”, o caricato Ypiranga Pitiguary, de “A Indomada”, e o malvado Higino Ventura, de “Força de Um Desejo” – está decidido a fazer apenas trabalhos que lhe dêem prazer. “Chega uma hora que é preciso filtrar os trabalhos e fazer apenas o que realmente acrescenta. Acho que já alcancei este estágio”, acredita.

O convite para a novela, por exemplo, coincidiu com um momento de “entressafra”, em que Paulo havia adiado as filmagens de um longa do qual será produtor e diretor. O projeto do filme, sobre a vida de um líder negro que viveu no interior paulista entre os séculos XIX e XX, já tem dez anos. “Andava muito envolvido com as questões práticas de produção e captação de recursos, que são muito chatas. Por isso mesmo, está sendo uma delícia voltar a atuar em novela, sem dores de cabeça”, reconhece o ator – que parece saborear, como um novato, as mordomias de uma produção de tevê. “É muito bom ser paparicado, ter um figurino bonito, jantar no intervalo, carro para na porta de casa… É uma estrutura toda azeitada, que não existe no cinema nacional”, compara, sem, entretanto, esmorecer na empreitada cinematográfica.

P

O Alex Müller é um cara meio “bon vivant”, o que o torna bem diferente de seus personagens anteriores. Você buscou também uma outra linha de interpretação?

R – Busquei. Como um cara que tem prazer de viver e é amante das mulheres, ele poderia virar um tipo caricato. Até ficaria interessante, mas não foi essa a proposta da direção. A idéia era fazer dele uma pessoa verossímil. O Alex é um homem que se veste muito bem, tem muito dinheiro e nem se preocupou em multiplicar a herança herdada pelos pais. Ele optou por usufruir o dinheiro e faz um alto investimento em mulheres. O cara é um grande especialista na alma feminina. De certa forma, é um tipo meio marginal. Mas, de fato, estou experimentando nele um “registro” diferente de interpretação. Algo teatralizado e, ao mesmo tempo, natural.

P

– Como seria isso?

R

– É um tom acima do natural televisivo. Já experimentei isso no cinema e no teatro, mas nunca na televisão. A verdade é que sou um ator muito enfático, com uma coleção de tipos bem caracterizados. Agora, quero fazer algo diferente de tudo que já fiz. Na verdade, é uma pequena experiência, sem muito risco.

P

– Você costuma ser lembrado por interpretar personagens cômicos, sérios e dramáticos com a mesma desenvoltura. Você tem facilidade para isso ou é resultado de muito trabalho?

R

– Sempre estive disponível para meus personagens. Essa é a minha natureza: me deixar dominar pelas características do personagem. Nesse ponto, a caracterização física ajuda muito. Procuro sempre botar um bigode, cortar o cabelo ou deixar a barba crescer. Para fazer “Lamarca”, emagreci 15 quilos. Virei um esqueleto ambulante no filme. Mas é esse meu processo.

P

E o que mais o encanta no trabalho do ator?

R

– Eu gosto dessa doidice que é ser ator. Este ser que agarra até fio desencapado. É a tentativa de ser transparente, de ser honesto. O trabalho do ator me comove. Esse ser frágil e forte ao mesmo tempo… É a vaidade suicida que faz o artista se expor. Ele sabe que será julgado por conceitos vagos, como talento e carisma. Mesmo assim, sobe no palco e vai à luta. E afinal, o que é carisma? O que é talento? As pessoas só reconhecem que um ator tem estas qualidades quando ele deu certo na vida.

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