O momento da indecisão

A atriz Neusa Borges já começou a contar os dias que faltam para terminar as gravações de “O Clone”. Não que ela esteja cansada do ritmo das gravações ou ansiosa por entrar de férias. A situação é um pouco mais grave. Aos 57 anos, essa catarinense de Florianópolis, ao contrário, não esconde a aflição de ter de voltar a enfrentar o desemprego quando se despedir da simpática Dalva. Afinal, o convite de Glória Perez pôs fim a uma “invernada” que já durava quatro anos. “Já começou a bater um medo danado. Paguei o aluguel deste mês, mas e o do mês que vem? Como vou fazer? Sinceramente, não sei”, diz, angustiada.

Enquanto aguarda um convite da Globo para renovar contrato, Neusa se consola ao dizer que Dalva já se tornou um de seus personagens prediletos. A princípio, a personagem não passava de uma reles subalterna, dessas que a Globo eventualmente confia a atores negros. Mas o talento de Neusa conseguiu transformá-la numa espécie de “mãe preta” dos tempos modernos. Afetuosa e maternal, Dalva caiu nas graças do público e da autora. Mesmo que discretamente, a governanta participa de duas das mais importantes discussões de Glória Perez: clonagem e drogas. “Essa Dalva é abusada mesmo. Se deixarem, ela vai se meter também a fazer a dança do ventre”, ri.

P – A Dalva é uma personagem que transita por quase todos os núcleos de “O Clone”. Como você explica essa popularidade?

R – A Dalva parece uma daquelas mães pretas que não existem mais. Hoje em dia, você tem de pensar dez vezes antes de contratar uma empregada. Não existe mais ninguém de confiança. Todos os dias, a gente ouve falar de babá que bate em criança. É horrível. Já a Dalva dedicou a vida inteirinha à família do Leônidas. A Mel, por exemplo, é como se fosse filha dela. O pessoal daquela casa é muito omisso. Cada um só pensa em si. Ou seja: o único amor verdadeiro que a Mel tem naquela casa é o da Dalva. Infelizmente, não se fazem mais Dalvas como antigamente.

P – Você já viveu alguma situação parecida com a da Dalva? De querer ajudar alguém a enfrentar as drogas e não saber como?

R – Graças a Deus, nunca passei por isso. Nenhuma das minhas filhas se meteu com drogas. Elas não fumam, não bebem, não têm vício nenhum. Tenho um irmão, o Beto, que mora em São Paulo, que já teve problemas com bebida. Felizmente, ele já melhorou também. Graças a Deus, parou de beber.

P – A que você atribui a forte empatia que a Dalva estabeleceu com o público de “O Clone”?

R – A Dalva transpira amor. Hoje em dia, pessoas como ela fazem uma falta danada na vida da gente. Quando saio às ruas, as pessoas me abraçam, me beijam. Parece até que ela querem levar um pedacinho da Dalva para casa. O carinho é muito grande. Quase não me agüento. Outro dia mesmo, fui a um restaurante e o garçom queria abrir uma campanha para fazer um brinde em minha homenagem. Já imaginou? Isso nunca aconteceu antes! Fiquei toda emocionada.

P – O que a Dalva representa nos seus 35 anos de carreira?

R – Olha, eu já tinha perdido as esperanças de voltar a fazer novela. Afinal, eu já estava longe do vídeo há quatro anos. Eu me sentia como se tivesse sido enterrada viva. A Dalva representa o recomeço da minha carreira. Por um momento, achei que não conseguiria mais trabalho. Entrei em pânico. Não estudei para ser médica ou advogada. A única coisa que sei fazer da vida é atuar. Não quero parecer repetitiva, mas também não tenho culpa de ter nascido negra. A arte não escolhe cor. Não precisam tirar o pão da minha boca. Há espaço para todo mundo.

P – Você não tem medo de voltar à estaca zero?

R – É claro que tenho! Morro de medo. Mas não quero pensar nisso agora. Prefiro pensar positivo. Não sou mulher de olhar para trás. Sou muito religiosa. Acredito em Deus. Ele não vai me deixar na rua da amargura. Nenhuma folha cai da árvore se Ele não quiser. Se passei por aquela “invernada” é porque Ele quis. Aprendi muito com tudo o que aconteceu. Hoje, sou uma outra Neusa Borges.

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