21 anos depois...

‘O Marajá’: a minissérie que a televisão nunca mostrou

Há quase 21 anos, a televisão brasileira ousou de tal forma que a nenhum telespectador foi permitido ver tal ousadia e, talvez, nunca veja. O ano era 1993, a emissora de televisão era a finada Manchete, a obra era ‘O Marajá’ e a polêmica em questão: o impeachment do presidente Fernando Collor.

Um ano após o ex-presidente deixar o Palácio do Planalto pela porta dos fundos, a Rede Manchete quis levar ao ar uma sátira da desgraça que se tornou o mandato do primeiro presidente eleito pelo voto popular no Brasil após 21 anos de ditadura militar. A minissérie contaria uma história fictícia, mas claramente baseada nos acontecimentos do governo Collor (1990-1992). As chamadas já estavam sendo exibidas, mas o ex-presidente sentiu-se ofendido e, no dia da estreia, ‘O Marajá’ não entrou no ar. Fernando Collor alegou que sua honra seria arranhada pela história que a Rede Manchete queria apresentar.

Atores, diretores e escritores sentiram uma brisa da aviltante censura do período em que o país teve seus dias de cólera. Após meses de liminares, a Justiça selou o destino da minissérie: o limbo eterno. O proprietário da Rede Manchete, Adolpho Bloch, comentou a amigos na época o quanto ficou assustado com o poder que Collor tinha nos círculos da Justiça brasileira. “Fomos censurados sem que ninguém visse os capítulos gravados ou escritos”, disse na época o diretor de ‘O Marajá’ Marcos Schechtmann. De fato, a história foi para o limbo sem que a Justiça assistisse um capítulo sequer ou lesse uma linha do roteiro.

Reprodução/YouTube
Júlia Lemmertz interpretava a jornalista Mariana, protagonista de ‘O Marajá’.

“Era um conceito revolucionário. Uma mistura de jornalismo com dramaturgia. Apresentávamos uma cena inacreditável e depois provávamos a veracidade com um depoimento”, disse na época José Louzeiro, autor da história. Os narradores da trama eram um repentista e uma fofoqueira, que explicavam ao público a história de Elle, que pretendia governar um país fictício (que era a cara do Brasil) por 30 anos. A história já começava com um famoso confisco de poupança. A protagonista da trama, que acompanhava toda a maracutaia de quem estava no poder, era a jornalista Mariana, interpretada por Júlia Lemmertz, que atualmente é a estrela principal da novela global das 21 horas, ‘Em Família’.

Em 1999, a Rede Manchete fechou as portas. Mas antes disso, em um domingo de maio, a Folha de S. Paulo publicou: “Fitas de ‘O Marajá’ desaparecem. Depois das mortes de Leda e Pedro Collor e do misterioso assassinato de Paulo César Farias, a maldição do impeachment ataca outra vez”. Alguns acreditam que o próprio Adolpho Bloch pode ter escondido as fitas. Fato é que o paradeiro delas é desconhecido. Regina Braga, que ajudou José Louzeiro a escrever os primeiros cinco capítulos, ficou indignada na época em que o desaparecimento das fitas veio à tona. “A proibição da novela foi uma violência à liberdade de expressão, mas essa história do desaparecimento das fitas foi demais”.

Após cumprir seu período sabático imposto pelo impeachment, Fernando Collor voltou ao Senado Federal nos braços do povo de Alagoas, 14 anos depois de deixar o Palácio do Planalto. A mesma Justiça que foi rápida em mandar para o limbo ‘O Marajá’, julgou Collor por suspeita de corrupção na época em que estava na presidência da República no final de abril de 2014. O resultado foi o esperado, e ele foi absolvido por falta de provas. Desde o que aconteceu na década de 1990 com a minissérie da Manchete, ninguém mais, ousou tentar contar a história de Fernando Collor, o primeiro presidente eleito pelo voto popular após 21 anos de ditadura e o primeiro presidente a sofrer impeachment no Brasil.

No YouTube há um vídeo de 2m39s com o único registro de ‘O Marajá’ que sobreviveu: