O mar

Manoel de Andrade
Conheço teu agitado marulho
tua voz de barítono
conheço tua zangada pronúncia
tuas lanças arrojadas pelos braços da tormenta
conheço tua suave dança
na onda calma e inumerável
na crista transformada em súbita canção de espumas
conheço-te na beleza da baía amanhecida
na hora melancólica do crepúsculo
e no teu dorso enluarado.
Me deste a paisagem das águas litorâneas
e a espuma de estendendo sobre a areia
me mostraste a nudez e o encanto das praias solitárias
a preamar e a vazantee o teu perfil de mastros e gaivotas
me deste a magia do horizonte
uma vela solta ao ventoe um barco de papel para os meus sonhos
mas nunca me mostraste
a extensão azul dos teus domínios
e nem um indício sequer dos teus enigmas.
Marinheiro sem mar e sem destino
nunca pude navegar tuas distâncias.
Deste banquete
me deste apenas o paladar salgado dos meus versos
minha sílaba de sal
e a tua própria essência salpicada
entre meus dedos
molécula elementar
unânime cristal
para que na minha dieta imprescindível
eu possa provar teu sabor dos os dias.

 Curitiba, abril de 2004

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