O longo caminho da volta

Antes da notícia, peço permissão para um mea-culpa: estou entre os milhares de brasileiros que, em março de 2001, ao assistir pela TV àquela triste imagem de Herbert Vianna deixando o Hospital Copa d’Or, no Rio de Janeiro, com o semblante confuso e débil, sentenciaram (ainda que em pensamento) – “É o fim dos Paralamas. Ele nunca mais vai se recuperar, e assim se vai mais um ícone da geração dos anos 80, que já perdeu Cazuza, Renato Russo e Marcelo Fromer”.

Pois – graças a Deus – queimamos a língua. Menos de dois anos depois de despencar de ultraleve e perder a mulher e parte da memória e dos movimentos, Herbert Vianna e os outros dois paralamas – Bi Ribeiro e João Barone – respondem com Longo Caminho, um disco visceral, forte, roqueiro – cuja turnê chega na terça em Curitiba, onde eles não pisavam havia mais de dois anos.

Sem dúvida, é outro Paralamas. Mas que ninguém se engane: não é uma sombra da velha banda, mantida viva por aparelhos para abrigar o alquebrado líder sobrevivente; o Paralamas voltou melhor, mais autêntico – o sangue pulsa, a energia transborda. Herbert está numa cadeira de rodas, mas sua música e suas palavras vibram, ressoam, intrigam e emocionam. Endureceram sem perder a ternura.

Reciclagem

Foi mesmo um longo e difícil caminho, mas que já vinha sendo desenhado desde antes do acidente. No final de 2000, Herbert, Bi e João já tinham acertado uma parada de seis meses para “reciclagem musical”, e amadureciam a idéia de fazer um disco básico: só o trio, voltado ao rock mais cru, com melodias e harmonias em primeiro plano. Só não esperavam que a reciclagem fosse tão profunda. Assim, todas as músicas de Longo Caminho foram compostas antes da tragédia.

E algumas são pequenas jóias: O Calibre, lançada com um belo clipe no Fantástico, é uma porrada – letra afiadíssima sobre um riff de guitarra devastador; Cuide bem do seu amor é uma balada capaz de comover Arnold Schwarzenegger, assim como Seguindo Estrelas. A faixa-título, que retoma a fórmula paralâmica de juntar rock com uma pitada de reggae, tinha sido cedida por Herbert a Zélia Duncan, que abriu mão de gravá-la para que o trio a incluísse no novo trabalho. Flores do Deserto, composta em homenagem a Marcelo Yuka (ex-baterista d’O Rappa, baleado em 2000), lembra Metallica, segundo João Barone; Soldado da Paz é outro rockão, que no disco teve a participação especial de Dado Villa-Lobos, outro sobrevivente dos 80. E há espaço até para um cover do The Jam (Running on the spot) e uma singela homenagem à fazenda onde Lucy, esposa de Herbert, cresceu: a bela Hinchley Pond.

As apresentações ao vivo, se sugerem uma certa comoção, têm mostrado que a banda está mais viva do que nunca. Ou seja: não vá ao Guaíra com aquela boa vontade piedosa de quem assiste a uma aparição pública de Mohammad Ali, Flávio Silvino ou Osmar Santos. Prepare-se para ver um show de pop-rock, e da melhor qualidade. Porque os Paralamas do Sucesso saíram do coma e exibem sinais nítidos de vitalidade, capacidade de recuperação e vigor criativo. Parece que a banda descartável, que andava abusando dos metais, percussões e skazinhos bubblegummers, se despedaçou com aquele ultraleve. E o que sobrou foi a alma…

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Terça, quarta e quinta-feira, às 21h, no Teatro Guaíra. Ingressos a R$ 40 (platéia), R$ 30 (1.º balcão) e R$ 20 (2.º balcão) para o show de terça, e R$ 50, R$ 40 e R$ 30 respectivamente para os de quarta e quinta. Ingressos limitados para o segundo balcão, com desconto de 50% para estudantes.

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