O Gaudí brasileiro

O Brasil tem seu próprio Gaudí, Estevão Silva da Conceição, morador da favela de Paraisópolis, em São Paulo, que, sem recursos ou nunca ter ouvido falar do aclamado arquiteto catalão, construiu sua casa com inconfundível estilo de pedras, mosaicos e complicada geometria. Chegar à casa de Estevão não é fácil. É preciso percorrer o labirinto de casas precárias de tijolo e material improvisado, onde a numeração não faz sentido para ninguém, a não ser para os moradores, que simpatizam com um ou outro número.

Na medida que se aproxima da casa de Estevão, começam as fantásticas referências à mais insólita das construções, onde ele investiu os últimos 17 anos, quase metade de sua vida, e continua construindo. De frente para a casa, o portal e o jardim flutuante de colunas retorcidas inconfundivelmente gaudianas, decoradas com pedrinhas e todo tipo de objeto de cerâmica, inclusive xícaras de chá, são uma visão de fantasia exuberante no meio da sobriedade da favela.

A casa foi descoberta por acaso por uma estudante de Arquitetura, que escreveu uma resenha e que acabou levando ao convite de uma emissora de televisão espanhola para um documentário, que levou Estevão à Espanha em ocasião do 150.º aniversário do arquiteto catalão Antoni Gaudí (1852-1926). Estevão não só nunca tinha saído do Brasil, mas também descobriu que a loucura e a apaixonada fantasia arquitetônica que inventou em sua casa já foi posta em prática 100 anos atrás do outro lado do Atlântico, em Barcelona.

“Fiquei impressionado com a semelhança. É bom ser comparado com alguém tão importante”, confidenciou após abrir a sua casa, primeiro com receio, depois com orgulho. Nascido no interior da Bahia, Estevão viajou para São Paulo, a Meca de tantos retirantes que procuram melhores condições de vida. Seu começo não foi fácil: ele foi vigia noturno de uma obra, montador de estruturas de ferro e trabalhou dez anos como operário da construção.

Com o tempo, conseguiu um pequeno espaço próprio na favela, hoje parcialmente urbanizada, mas na época um inferno de violência e pobreza, onde começou seu criativo projeto arquitetônico que rompe o rigor da pobreza que o cerca. “Comecei plantando uma pequena roseira, e como cresceu muito, fui construindo uma armação de ferro e para guiá-la, que fui forrando com cimento, terra e pedras e mosaicos”, explicou. Seu jardim suspenso, um labirinto de estruturas por onde se pode deslocar usando várias escadas, tem hoje oito metros de altura, tudo repleto de plantas. O “prêmio” é uma fenomenal vista da cidade.

Como Gaudí, que afirmava que no mundo não há uma única coluna vertical e que a natureza é colorida, Estevão gosta das formas, cores e geometria da natureza e com ela organizou a arquitetura de seu jardim e da pequena casa repleta de detalhes de mosaicos de cerâmica e madeira. “Meu interesse era cuidar das plantas, da natureza”, disse. Ainda assim, a resposta a seu trabalho não foi tão boa quando a que Gaudí obteve: “os vizinhos me chamavam de louco”. Até mesmo sua companheira, Edileni, mãe de seus dois filhos, de um e oito anos, embora se declare admiradora, reclama “que gaste tanto dinheiro para construir”.

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