O dia em que o ‘Rei’ foi soberano na Casa Branca

Existem filmes que parecem ser sobre nada, mas terminam sendo sobre tudo. Qualquer um do mestre japonês Yasujiro Ozu. Peguemos, por exemplo, Viagem a Tóquio, também conhecido como Era Uma Vez em Tóquio. Todo filme de Ozu é sobre as transformações que atingiram – e mudaram – a família tradicional em seu país. Esse é sobre um casal de velhos que vai visitar os filhos em Tóquio, eles não têm muito tempo, os velhos ficam quase todo tempo sozinhos – como na cidade do interior em que vivem. Não acontece muita coisa, mas o suficiente para que Ozu fale de relações afetivas e sociais, sobre a vida e a morte. E existem os filmes que parecem ser sobre tudo, e terminam sendo sobre nada – quase nada, que seja. É o caso de Elvis & Nixon, de Liza Johnson, que estreou na quinta-feira, 16.

Só o fato de abordar dois personagens como o presidente Richard Milhous Nixon, que encerrou a Guerra do Vietnã e aproximou EUA e China, além de ter sido forçado a renunciar por seu envolvimento no escândalo de Watergate, e o ‘Rei’ Elvis Aaron Presley já revela uma ambição extraordinária, pois são figuras que pertencem à história e, mais que isso, à lenda. Pode-se abordar não importa que tema partindo desses dois, mas será que se pode mesmo? Elvis & Nixon é sobre o encontro de dois lunáticos. Falam, falam e não dizem nada. Poderiam ser personagens no ateliê da dra. Nise da Silveira, no longa de Roberto Berliner. Loucos de pedra, mas muito criativos, sem dúvida.

Liza Johnson começa seu filme no gabinete do presidente na Casa Branca, o célebre Salão Oval, em dezembro de 1970. Nixon repassa com seus assessores a agenda do dia. Encontros com diplomatas que vêm apresentar as credenciais, e ele reclama dessa gente que nem se dá ao trabalho de tentar falar inglês com ele. Então, em pleno horário da sesta, que ele não dispensa, os assessores encaixaram… o Rei. No way, protesta Nixon, não é não. E aí entra o letreiro – 36 ou 38 horas antes. Elvis, em Graceland, assiste na TV a Dr. Fantástico, o clássico de Stanley Kubrick, a maior farsa política do cinema. Mas o que ele vê não lhe agrada. Kubrick é virulento sobre (e contra) o mundo da política norte-americana. O Rei enerva-se. Começa a zapear. Os demais canais mostram imagens da guerra. A do Vietnã e a que se trava internamente, na América – drogas, direitos civis. Elvis resolve salvar a juventude de seu país. Chama o amigo – Jerry – e escreve uma carta ao presidente, que entrega pessoalmente no portão Oeste da Casa Branca.

Nixon não quer saber de se encontrar com Elvis, mas seus assessores acham que será bom para sua imagem. A contragosto, ele concorda – mas cinco minutos, apenas. Os assessores tentam enquadrar o Rei no protocolo, ele não vai poder isso, não vai poder aquilo e, muito menos, entrar armado no Salão Oval para dar uma pistola de estimação a Nixon. Mas quem diz que o Rei pode ser enquadrado? Elvis the Pelvis coloca-se à vontade, chama Jerry, elevado a assessor de RP, para compartilhar o Salão Oval, dá autógrafo para que a filha de Nixon mude de ideia, deixando de ver o velho como um inútil. Tudo isso é insólito, divertido, mas Elvis, na realidade, tem uma agenda. Quer ganhar uma insígnia. Quer ser agente especial para salvar a ‘América’ e sua juventude. Promete a Nixon combater traficantes, os Panteras Negras, os Beatles, a quem acusa de antiamericanismo (‘Aquele John Lennon…’), os Rolling Stones.

Elvis ganha sua insígnia, mas o filme termina com um monte de letreiros. Elvis nunca foi agente especial, como queria. Nixon foi forçado a renunciar, para evitar o impeachment; os assessores foram presos por facilitar a operação de Watergate ou dar falso testemunho no julgamento no caso; e Elvis, o mito, morreu alguns anos depois, em 1977. A foto que ele não queria tirar com Nixon – para ser um agente ‘encoberto’ – está aí na página e o último letreiro informa que é a mais requisitada de toda a história dos arquivos da Casa Branca. E é isso. Kevin Spacey é melhor Nixon que o próprio, Michael Shannon veste o topete do Rei e choraminga que só o amigo Jerry o vê como realmente é, um garoto de Memphis, patriota. Para os outros é a lenda, o Rei. E ah, sim, Alex Pettyfer é Jerry, que foi o único que viveu para contar a história e mora hoje com a mulher na casa que Elvis comprou para eles. E, nisso tudo, como fica o tema de Elvis & Nixon? A excentricidade das celebridades? O ponto fraco dos poderosos? O assessor adverte – não coma os MMs do presidente, não tome sua água. Elvis ignora todos os avisos. É, enfim, o tema – não existe registro do que foi dito na reunião, mas Elvis & Nixon é sobre o dia em que o Rei transformou em coadjuvante o homem mais poderoso da Terra e, sim, reinou na Casa Branca.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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