O ano do Cachorro Grande

Pegue o psicodelismo e os clipes/filmes dos Beatles, a tosqueira dos Kinks, as harmonias do Small Faces, a libidinagem dos Rolling Stones e as performances energéticas do Who. Misture tudo em um mesmo recipiente. Foi bebendo claramente na fonte dessas principais bandas sixties exportadas pela Grã-Bretanha – inclusive adotando o visual característico da época, com franjonas desgrenhadas, terninho-e-gravata e blusas com maxigolas e mangas de babados – que o Cachorro Grande se transformou no ano passado em um dos maiores nomes da música independente nacional.
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Formado em meados de 1999 por ex-integrantes da banda de apoio de Flávio Basso (a.k.a. Júpiter Apple, ex-Júpiter Maçã, ex-Cascavellettes, ex-TNT), o quarteto não precisou de muito tempo para firmar-se na sempre efervescente cena de Porto Alegre. Suas apresentações explosivas garantiram o sucesso do álbum de estréia, apenas no mercado regional. No ano passado, a presença em festivais de peso em outros estados (inclusive no comentadíssimo UpLoad, em dezembro, quando o vocalista Beto Bruno cantou por vários minutos com o sangue jorrando da cabeça atingida violenta e casualmente pela guitarra de Marcelo Gross) e a exibição constante do segundo clipe (Lunático, que assim como anterior Sexperienced, é calcado nas clássicas imagens dos Fab Four no longa A Hard Day’s Night) na programação vespertina da MTV fizeram a banda ser conhecida em todo o País.
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Tudo isto levou ao relançamento, agora em abrangência nacional, do primeiro disco. Cachorro Grande (Stop/Kives) agora pode ser encontrado em bancas de jornal, junto com uma revista-pôster com muitas fotos e todas as letras cifradas para violão e guitarra.
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A busca pelo reconhecimento fora dos limites dos Pampas é um fantasma que há algumas décadas vem perseguindo os músicos gaúchos, famosos por serem reis em seu estado (com o apoio de várias emissoras de rádio e programas de televisão locais) mas praticamente desconhecidos de Santa Catarina para cima. Esta boa recepção que o esforçado grupo vem obtendo em outras capitais é muito recompensadora na visão do baixista Jerônimo Bocudo, que completa a formação ao lado do batera Gabriel Azambuja. “Para conquistarmos mais espaço precisamos partir mesmo da estaca zero”, afirma o autor do hit Sexperienced. “Não podemos contar com o reconhecimento da galera daqui do Sul, mas vemos o filme passar novamente, conquistando as coisas como no início. Isso vale a pena, pois queremos formar um público e não ter o reconhecimento como uma banda hype. O Cachorro Grande vai crescer muito ainda!”.
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O mood das bandas porto-alegrenses está lá nas letras, com o humor característico da cidade e uma certa dose de personagens fantásticos (sempre criados a partir dos amigos em carne e osso, claro). Ajuda – e muito – a veia hitmaker da trinca de compositores Gross-Bruno-Bocudo, sempre capazes construir melodias pegajosas e refrões certeiros.
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Lunático, faixa de abertura, é um destes grandes trunfos. Em apenas dois minutos e meio, como nos cultuados anos 60, Bruno e seus comparsas cativam qualquer um com oito versos de métrica irregular (“Se em alguma hora, o sol bater e lhe dizer/ Tu é um canalha, e se achar que sou/ Lunático, que se dane, sou que tô pagando/ Lunático, que se dane, sou que tô pirando/ Não dê bola, se eu te trancar no quarto uma semana/ Não dê bola, se eu te passar bolachas/ Por debaixo da porta, sou eu que tô passando/ Bolachas por debaixo da porta eu tô amando”) e muito sangue pop bombeado pelo coração.
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No que depender do potencial deste disco (o próximo começará a ser gravado nos próximos meses), serão mesmo proféticas as palavras de Bocudo. 2003 tem tudo para ser o ano do Cachorro Grande.
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Por enquanto é só, pessoal. Sexta-feira tem mais. Meu e-mail para sugestões, dúvidas, elogios, críticas:
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