Nívea Maria e o doce sabor da amargura

Nívea Maria passou boa parte da carreira empenhada em se livrar da mocinha ingênua que encarnou em novelas das décadas de 60 e 70. Protagonista de diversas adaptações de romances de época, como “A Moreninha”, de Joaquim Manuel de Macedo, de 1975, “O Feijão e o Sonho”, de Orígenes Lessa, de 76, e “Maria, Maria”, de Lindolfo Rocha, de 78, a atriz perdeu a conta das mães dóceis, dedicadas e submissas que vieram a reboque da “boazinha” com o passar dos anos. Talvez por isso a amargurada e ressentida Maria, da minissérie “A Casa das Sete Mulheres”, tenha um gosto tão especial para a atriz. “A Maria representa um resgate do meu prazer de criar uma personagem”, entrega, com naturalidade.

Mas a afirmativa não revela nenhuma insatisfação com o trabalho ao qual se dedica há 40 anos. Até porque Nívea nunca esperou dos outros o reconhecimento de que poderia dar vida a personagens mais densas. “Tive de lutar por personagens menos suaves e meigas”, destaca ela, lembrando “Dona Xepa”, de 1977, em que viveu a ambiciosa filha da personagem central, interpretada por Yara Cortes.

Nos últimos anos, no entanto, a atriz admite ter vivido uma espécie de “hiato profissional”. “Fiz uma série de trabalhos que passaram em branco, porque as personagens não tinham importância na trama”, avalia, como quem reconhece uma verdade incontestável. Algo que ela espera ter deixado definitivamente para trás com Maria. A satisfação é tanta que até o peso do rancor da personagem é revertido em bom humor e vitalidade, que a atriz vem esbanjando nos “sets” e bastidores. Recém-separada do diretor Herval Rossano, com quem viveu um casamento de 27 anos, Nívea garante que a personagem lhe deu equilíbrio para superar o momento difícil. “Foi importante viver minha crise pessoal ao mesmo tempo em que encarava a complexidade dela”, faz questão de ressaltar, num plácido sorriso.

P

– O que a Maria representa nos seus 40 anos de profissão?

R

– Representa um resgate do meu prazer de criar uma personagem. A carreira é feita de altos e baixos, de hiatos de prazer. Às vezes, temos um enorme prazer em fazer um trabalho, outras vezes fazemos com um nível de esforço maior. Tive um grande hiato de bons trabalhos na tevê. Fiz coisas que passaram em branco, porque não me exigiam muito como atriz.

P

– Quais foram as razões desta “fuga” de bons personagens?

R

– Acho que é uma coisa inerente à própria tevê. A novela sempre viveu em torno de romances e histórias ligadas aos jovens. Os conflitos mais maduros poucas vezes são valorizados, o que considero um erro crasso, porque é nosso papel mostrar as relações humanas, a alma dos personagens, sejam jovens, velhos ou crianças. Mas a tevê quer a imagem, o corpo perfeito, o rostinho bonito.

P

– Você temeu a perda de trabalhos com a chegada da idade?

R

– Nunca tive medo, porque minha vaidade não estava no físico, mas na responsabilidade do meu trabalho. Sei que estou envelhecendo, que já tenho marcas aqui e ali, mas o brilho no meu olho e o sorriso na minha cara não têm idade. E acho que sou uma profissional privilegiada, porque as personagens me vieram nas horas certas e com os conteúdos certos. Como a tevê vive de imagem, ela usou as minhas mocinhas ingênuas e românticas até os meus 30 e poucos anos, porque meu biotipo nunca foi o da exuberância ou da sensualidade. Mas eu tinha consciência de que estava conquistando a maturidade como mulher e como atriz, para oferecer algo mais às minhas personagens. E, embora com papéis mais ou menos interessantes, tive trabalhos aos 30, aos 40, aos 50 e acredito que vou continuar tendo, porque nunca fiquei só no “glamour”.

P

– A imagem da mocinha ingênua chegou a atrapalhar sua carreira?

R

– Não atrapalhou porque não deixei. Quem teve de determinar isso fui eu. Tive de lutar por personagens menos suaves e meigas, para não ficar rotulada, como fiquei por um tempo. Fui brigar até por personagens que não fossem protagonistas ou importantes. Hoje o público me pára nas ruas para dizer que tenho um olhar mau, mas no começo da minha carreira destacavam minhas feições meigas. Isso prova que a gente pode tudo.

Um negócio em família

Há pouco mais de um ano, Nívea Maria é proprietária do restaurante “Dois Em Cena”, no Shopping Rio Sul, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Feliz com o empreendimento, no qual tem como sócios as filhas Viviane e Vanessa e o amigo André Nunes, a atriz admite que a idéia partiu da necessidade pessoal de investir em algo menos instável que a carreira artística. “Queria algo mais concreto no sentido financeiro e que pudesse aglutinar meus filhos também”, explica a atriz.

Numa das entressafras da profissão, Nívea já tinha atuado como empresária. Foi em 1971, quando as emissoras paulistas entraram em crise e a atriz decidiu mudar-se para o Rio de Janeiro. Para superar o momento difícil, Nívea abriu uma casa lotérica com a família. “Ficava atrás do balcão, furando os cartõezinhos”, lembra. Para felicidade dela e do público, a experiência durou apenas um ano. Nívea resolveu bater às portas da Globo, onde estreou em “O Primeiro Amor”, de 1972.

Desta vez, no entanto, o negócio só tem dado motivos de alegria. Em primeiro lugar, pelo fato de compartilhar o trabalho com as filhas. “A profissão nos afasta da família. Ter um negócio em comum é até uma desculpa para a gente se reunir. Vai para a agenda”, diverte-se a atriz. Nem mesmo a saída de Herval Rossano da sociedade abalou o ânimo de Nívea, que fez questão de manter o nome do restaurante – uma referência à carreira dos dois -mesmo depois da separação.

Nívea faz questão de provar todos os pratos e qualquer eventual modificação. E também participa, sempre que pode, de todas as decisões da administração do restaurante, que deve ganhar uma filial ainda este ano. No papel de empresária, a atriz não esconde o orgulho de estar garantindo trabalho a cerca de 20 profissionais. “É um prazer colaborar com meu país investindo numa área completamente diferente da minha profissão. Se me faltar trabalho, vou para lá cozinhar”, brinca, sem esconder que não é cozinheira de mão-cheia.

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