‘Neuronovel’ de Daniel Galera flerta com a busca da identidade

Com uma narrativa engenhosa e repleta de construções memorialistas, o paulista “naturalizado” gaúcho, Daniel Galera, evoca com seu livro mais recente, “Barba ensopada de sangue”, uma modalidade literária pouco usual entre os autores tupiniquins: a neuronovel – nomeada por Marco Roth em um ensaio para revista norte-americana “n+1” em 2009. As neuronovels usufruem de patologias neurológicas para criar suas tramas, gerando enredos com riqueza de termos técnicos ou situações inusitadas.

O personagem central, muito mais que um professor de educação física que busca suas raízes e tenta superar o suicídio anunciado do pai, sofre de prosopagnosia, uma doença que faz com que esqueça e não identifique rostos. Assim como Jed Parry, de “Enduring love” do inglês Ian Mcewan, que iniciou o gênero em 1997, acometido da Síndrome de Clérambault, que cria a ilusão de uma paixão devastadora pelo jornalista científico Joe Rose, a doença do protagonista – que, propositadamente, não conhecemos o nome – o impede de conviver normalmente, colocando lado a lado os dramas de uma sociedade pós-moderna e os dilemas de uma pessoa em busca de uma identidade.

Por isso, suas relações são sustentadas de uma forma peculiar quando chega a Garopaba, litoral catarinense, local onde o pai resolveu se isolar. Para compor esse cenário, Galera “se mudou” para o balneário e conseguiu transmitir aos processos narrativos as experiências adquiridas e vividas por lá.

Meridianos de sangue

Essa falha congênita – que deságua na prosopagnosia – acaba por criar lacunas e estabelecer relações desiguais entre os personagens do romance. Essa estratégia, misto de habilidade linguísticas e visual de Galera, faz perceber traços de Cormac McCarthy, Ian McEwan e Martin Amis.

Essa distância, que permite a manipulação do leitor, é um voo cheio de oralidade, com uma incrível veromissilhança que, em alguns casos, beira o irreal, sem perder o sentido. Em um ambiente em que se é um pária, não é difícil fazer nascer a violência – seja por meio literal, seja pelas histórias do pai ou pelo autoflagelo.

Promessa editorial

Galera, que não é nenhum novato no mundo editorial, foi um dos escolhidos para compor o elenco da “Granta – Os melhores jovens escritores brasileiros”, seleção que mexeu com a vaidade de muitos e gerou controvérsia na literatura brasileira. Por isso, o texto publicado por Daniel na revista, “Apneia”, é parte inicial de “Barba ensopada de sangue”.

Como se não bastasse, ele é uma das maiores apostas do mercado editorial brasileiro dos últimos tempos. Com traduções do romance vendidas em várias partes do globo, o livro tem sido alvo de campanhas promocionais proporcionais à sua qualidade, garantindo a pecha de um dos melhores lançamentos de 2012.

Para sedimentar essa avaliação, a editora Companhia das Letras, entregou o livro a escritores veteranos e consagrados como o angolano Gonçalo M. Tavares e o argentino Ricardo Piglia, que deram o aval para que Galera ganhasse o mundo.