Música latina de luto

São Paulo

– Com o seu indefectível charutão a tiracolo e as bravatas sexuais – aos 94 anos, chegou ao Rio de Janeiro perguntando das “chicas” -, Compay Segundo era irresistível. Entre os sobreviventes da era de ouro da música cubana, Ibrahim Ferrer representa o ritmo; Rubén Gonzalez é a imagem bem-acabada da sofisticação; e o crooner Compay Segundo era a festa.

Sem a festa, o mundo está um pouco mais taciturno e sorumbático hoje. Compay morreu na madrugada de ontem, aos 95 anos, de insuficiência renal. Seria enterrado hoje em Santiago de Cuba, a 950 quilômetros da capital cubana, segundo sua última vontade.

O rapper brasileiro Marcelo D2, que entrevistou recentemente Compay Segundo para o programa de Serginho Groisman na Rede Globo, ficou embasbacado com o carisma do cubano. “Foi demais, uma grande lição de vida, ele me deu altos toques”, contou D2.

Era uma influência sob todos os aspectos. “Não há sentido em Compay Segundo cantar rap, mas também não há sentido em nós, da nova geração, cantarmos rap ignorando Compay Segundo e a tradição da música cubana”, disse o rapper Yotuel, do grupo Orishas, um dos maiores sucessos da música cubana no mundo.

Mas o prestígio internacional do ídolo eterno de Cuba é recente. Compay Segundo só voltou a ser notícia fora da ilha em 1996, quando o guitarrista americano Ry Cooder foi a Cuba com a firme proposição de reunir uma geração de notáveis músicos de gerações passadas. O resultado foi o premiado disco (e documentário de Wim Wenders) Buena Vista Social Club, que resgatava as figuras de Compay, Ibrahim Ferrer, Rúben Gonzalez, Eliades Ochoa e Omara Portuondo, entre outros. A co-produção foi do cubano Juan de Marcos Gonzalez.

Compay adorava o Brasil e costumava incluir Na Baixa do Sapateiro, de Ary Barroso, nos seus shows. “Antigamente, as pessoas gostavam de serenata, eram românticas e queriam dançar juntas. Depois veio a Nova Trova, que fazia música para ser ouvida. Hoje, os jovens querem uma música que os divorcia. Cada um dança para seu lado e todos sentem falta do aconchego de um corpo. Minha música os faz parar para ouvir, mas também os faz dançar”, disse ele, em entrevista, no ano passado.

Lançamento

A visita aconteceu para o lançamento, em março, do álbum Duets (Warner Music), coletânea na qual Compay Segundo divide vocais com artistas como o astro da raï music, o argelino Khaled, o néo-rumbeiro alemão Lou Bega, o chansonier Charles Aznavour e o ator Antonio Banderas, entre outros. Apesar de parecer bizarro, o disco era uma diversão. Com Eliades Ochoa, ele dava o tom na festa com seu sucesso mais conhecido, Chan Chan. Com as cantoras do Duo Evocación, o violonista Compay ensinava o caminho do ritmo, na canção Viejos Sones de Santiago. Com o veterano francês Aznavour, cantava Morir de Amor, num clima de cabaré internacional, de festa da Resistência, quase uma jam etílica movida a acordeão.

“Compay Segundo viverá sempre porque sua obra Chan-Chan conseguiu uma popularidade tão grande quanto a Guantanamera de Joseíto Fernández”, disse ontem o pianista cubano Chucho Valdés, ganhador de quatro prêmios Grammy.

Ontem, segundo informou a Agência Efe, chegou uma coroa de flores ilustre à funerária onde estava o corpo de Compay, em Havana. “A Compay Segundo, do comandante-em-chefe Fidel Castro”, dizia a fita branca que envolvia a coroa. “El Comandante” faria melhor ainda se colocasse no seu toca-discos modelo revolucionário um disco do velho crooner, e aumentasse o som em Macusa. Se existiu alguém que fez maravilhas pela cultura cubana, esse alguém foi Compay Segundo.

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