Morreu neste domingo, no Hospital Universitário (HU), na Cidade Universitária, o professor da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Augusto Albuquerque Mourão, um dos maiores pesquisadores e estudiosos da questão africana. Ele tinha 83 anos, estava internado havia 15 dias e sofreu falência múltipla de órgãos. O velório começará nesta segunda-feira às 19 horas, no Cemitério Memorial da Paz, em Vargem Grande Paulista, onde ocorrerá também o enterro, na terça-feira, às 16 horas.

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Foi em Coimbra (Portugal), que o professor Mourão, nascido no Rio de Janeiro em 1934, começou a se interessar pela área, especialmente por Angola, principal segmento de atuação intelectual e política em sua vida acadêmica. Professor titular da USP desde 1971, quando começou a lecionar no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), ajudou a criar o Centro de Estudos Africanos (CEA) em 1965.

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Os estudos e pesquisas sobre a África foram impulsionados a partir de 1967, quando a premência da atualidade política se impunha pela vivência de acadêmicos brasileiros nos movimentos de independência e do nacionalismo africano. Mourão, que na Universidade de Coimbra teve como companheiros futuros líderes da luta pela independência, entre os quais Amílcar Cabral, de Guiné Bissau, e os angolanos Agostinho Neto e Mário Pinto de Andrade, compartilhou de seus sonhos, embora não aderisse aos ideais marxistas que os três professavam.

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Os estrangeiros eram segregados na Casa dos Estudantes do Império pela ditadura de Antônio de Oliveira Salazar. Muitos deles foram interrogados e torturados pela PIDE, a polícia política portuguesa. Mourão e outro brasileiro, José Maria Nunes Pereira, regressaram apressadamente ao Brasil, pouco antes do golpe militar de 1964. Engajaram-se então em movimentos políticos de apoio à independência de países africanos, com conexões com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que assumiria o governo sob a presidência de Mário Pinto Rodrigues.

Como colaborador do jornal O Estado de S. Paulo, o também jornalista Fernando Mourão escreveu artigos que difundiam o ideal do nacionalismo africano das lutas de independência das colônias portuguesas na África. Trabalhou ao lado de Miguel Urbano Rodrigues, membro do Partido Comunista Português, de outros exilados anti-salazaristas, que haviam sido abrigados pelo diretor do jornal, Julio de Mesquita Filho.

Integrado na USP como doutorando e professor assistente, em 1967, Mourão contribuiu para dinamizar o CEA e para consolidar a linha de pesquisa dos estudos africanos com uma inovação – a introdução de uma nova disciplina, chamada Relações Internacionais. Discutia-se a realidade das sociedades africanas no contexto de suas conexões internacionais. No Rio, o professor José Maria Nunes Pereira, colega de Mourão em Coimbra, liderou em 1978 a criação do Centro de Estudos Afro-Asiáticos, na Universidade Cândido Mendes.

Fernando Mourão saía a campo para conhecer de perto a vida das pessoas e complementar seus estudos com exemplos reais. Foi o que fez, por exemplo, no litoral de São Paulo e do Paraná, ao estudar o comportamento de pescadores que abandonaram essa profissão para trabalhar como operários. Em entrevista a Ricardo Alexino, no programa ‘Trajetória’, da TV USP, em 2015, Mourão disse que essa pesquisa não tinha motivação ideológica, mas somente acadêmica.

A revista ‘África’, do Centro de Estudos Acadêmicos, fez um número especial em 2012, com o título ‘África Única e Plural’, em homenagem a Fernando Mourão. Em uma edição de 300 páginas, 27 amigos e alunos escreveram artigos e deram depoimentos sobre a carreira e a personalidade do professor. “Os que participam desta homenagem sabem, sem exagero, que Fernando Mourão é um dos raros intelectuais brasileiros com o coração dividido entre o Brasil e a África, sem deixar de estar atento à ordem mundial e aos problemas da humanidade como um todo”, escreveu na apresentação o diretor do número especial da revista, Kabengele Munanga.

Mourão defendeu a adoção de uma política solidária do Brasil em suas relações com a África. Reconheceu mudanças na diplomacia brasileira desde o governo de Jânio Quadros, em 1961, em uma linha anti-imperialista que foi mantida durante o regime militar e reforçada no governo Lula. Sem nunca ter tido militância partidária, o professor da USP tornou-se colaborador do Instituto Lula, em abril de 2012, para dar assessoria em questões voltadas para a África.

Autor de 11 livros e participação em outros 57, Mourão recebeu prêmios internacionais em Angola, Costa do Marfim, Togo, Senegal e França, conforme informações constantes de seu currículo, publicado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). A morte foi lamentada ontem por colegas da Universidade de São Paulo e da Universidade Independente de Angola. (COLABORARAM ANA PAULA NIEDERAUER e JULIANA DIÓGENES)