Modernidade, destino e interatividade

A Modernidade é concebida pelo filósofo social inglês, Anthony Giddens (2002), como uma realidade que ao mesmo tempo limita, assusta e amplia oportunidades. Para Baudelaire (1863): “a modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente; é uma metade da arte, sendo a outra o eterno imutável”. E David Harvey (1992) afirmou: “Ser moderno é ser parte de um universo em que, como disse Marx, tudo se desmancha no ar.”

Harvey (1992) explica o ser moderno como aquele que se encontra “num ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, transformação de si e do mundo, e, ao mesmo tempo, que ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. Os ambientes e experiências modernos cruzam todas as fronteiras da geografia e da etnicidade, da classe e da nacionalidade, da religião e da ideologia; nesse sentido, pode-se dizer que a modernidade une toda a humanidade. Mas trata-se de uma unidade paradoxal, uma unidade da desunidade; ela nos arroja num redemoinho de perpétua desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia”.

Giddens (2002) aproxima Modernidade ao mundo industrializado, mas afirma que o industrialismo não é sua única dimensão institucional. A segunda dimensão é o capitalismo, sistema de produção de mercadorias. Com a modernidade, tem início uma era de guerra total que tem em potencial a capacidade de destruir, especialmente com armas nucleares. Ninguém pode ficar alienado das mudanças ocasionadas pela modernidade. A experiência humana é mediada pela socialização e de modo especial pela aquisição da linguagem. A modernidade não se separa de sua mídia. A palavra impressa é hoje o centro da modernidade e de suas redes globais.

Nesse contexto, embora pareça que a idéia de destino não encontra espaço, ela continua presente. Luis Carmelo (2003), professor da Universidade de Lisboa, explica que, na fase pré-moderna, o que correspondia ao que hoje se denomina político, era o profético. Um mediador exercia o papel de transmitir a voz de Deus na primeira pessoa, como fez Moisés e que foi relatado no livro bíblico chamado Deuteronômio. O destino era fabricado com idéia de futuro e de fim.

Mais tarde, mas sem que o profético tivesse desaparecido, surgiu o político reatando uma concepção grega antiga, o agir livre, mas somente por parte dos cidadãos homens nascidos em Atenas, desconsiderando as mulheres, os estrangeiros e os escravos. O destino ainda se orientava para um horizonte com certo sentido de fim.

Nas últimas duas décadas do século XX, surgiu a mídia ou o midiático. Iniciou-se uma revolução silenciosa que se caracterizou por não centrar no futuro a idéia de salvação como receptáculo de todas as esperanças de controlar o destino. Pela mídia, a instantaneidade passou a não mais dividir o presente do futuro inatingível, mas a atrair o futuro para o presente. O destino que pressupunha uma visão de futuro e que atribuía ordem ao passado e ao presente já não pode mais instituir o que já é. Desse modo, segundo Luis Carmelo, a única imagem do futuro de que ainda se dispõe é a de uma sociedade de comunicação hipertecnológica, a qual age pela interatividade que dá ao receptor a possibilidade de mudar o conteúdo de uma mensagem. Pierre Lévy (1999), por exemplo, afirma que a máquina proporciona uma interatividade coletiva além da interatividade individual e que as tecnologias da comunicação realizam satisfatoriamente os ideais da Modernidade.

Por outro lado, J. Baudrillard (1997) reage e afirma que entre homem e máquina não há interatividade e que por detrás da técnica com aparência de inocente existe a dominação. Ele vai mais longe e diz que existem máquinas dos dois lados da interatividade, pois, talvez, as pessoas não sejam mais que espaços que pertençam a elas.

A proposta de Edgar Morin (1990), para se posicionar diante de argumentos como os da Modernidade e da hipertecnologia, é o pensamento complexo que entende o efeito como sendo ao mesmo tempo causa daquilo que o produziu. Só assim a interatividade atenderá à demanda social, pois, por exemplo, se preocupará com a pessoa de um comprador, não somente com o seu lado de consumidor.

Mesmo assim, como afirma Otávio Velho (2001), não precisa transformar o reconhecimento do contingente da Modernidade numa celebração vazia da falta de sentido. E pode-se acrescentar: Considerando que a idéia de futuro contida no destino já está presente e que a única imagem de futuro que ainda resta se associa à comunicação hipertecnológica, como afirma Carmelo, o mais inteligente seria o desenvolvimento dos sistemas complexos ou da autoconsciência que cada um tem dentro de si para saber a melhor forma de interagir.

Zélia Maria Bonamigo

é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do ParanáE-mail:
zeliabonamigo@terra.com.br

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