Miyazaki, um humanista fora de seu tempo

São Paulo – Mesmo antes da estréia oficial, que acontece hoje, já se falou muito de A Viagem de Chihiro. Ganhador do Festival de Berlim e do Oscar, sucesso de público em seu país, o Japão, sobrevivência da animação artesanal na época da computação gráfica, etc. Falou-se menos do misterioso encanto desse desenho, que trabalha habilmente com a superposição de fábulas consagradas e de uma imaginação visual invejável do seu diretor Hayao Miyazaki.

O que fica mais à vista é a aculturação oriental de Alice no País das Maravilhas. A garotinha Chihiro vê-se sozinha num mundo estranho, com regras novas, que ela precisa decodificar para sobreviver e, se possível, salvar os pais que foram transformados em porcos. Essa idéia de base é posta em imagens com um senso inventivo quase delirante. Os seres criados por Miyazaki e sua equipe ficam nos limites do onírico, mas o que vem no subtexto é um comentário límpido sobre o consumismo no mundo moderno e seus efeitos sobre as pessoas.

Chihiro é obrigada a dar duro para vencer, faz alianças, usa a inteligência e, acima de tudo, a afetividade. Num mundo desencantado, Miyazaki propõe a mágica e as relações de cordialidade a título de antídotos. Contra o quê? Bem, precisamente contra a rendição ao que parece inevitável. Anda no ar, tanto no Japão como em todo o mundo o desejo latente de se fazer um balanço sobre o que perdemos e ganhamos entrando (compulsoriamente) no mundo novo que surgiu.

Nessa conta, há algo a pensar sobre o papel que as tradições ainda podem desempenhar em sociedades laicizadas pela idéia do progresso e do lucro. Miyazaki é um veterano de 62 anos. Seu trabalho é o de um humanista, portanto alguém contra seu tempo.

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