Mickey Mouse: um rato setentão

Foi com ele que tudo começou. E poucas figuras animadas, no cinema ou no mundo dos quadrinhos, terão tido a fama e a popularidade do camundongo Mickey. Como Mikki Hüri, na Finlândia; Mik-Kü-Ma-U-Su, no Japão; Ratón Mickey, no México; Mickey Maus, na Alemanha; Mickey Lau Shu, na China de Mao, ou Topolino, na Itália de João Paulo II, hoje como ontem, Mickey Mouse (ou apenas Mickey, como ficou conhecido no Brasil), é o grande ídolo de crianças e adultos, um ícone conhecido em todo o planeta. Publicado em duas dezenas de idiomas diferentes, em mais de 400 jornais e revistas, com uma tiragem de aproximadamente 1,4 milhões de exemplares por mês, atinge a média anual de 50 milhões de leitores em todo o mundo. E o sucesso reúne, hoje, 87 curta-metragens, entre os quais o clássico Aprendiz de Feiticeiro, incluído em Fantasia (1940). Somando-se aos licenciamentos e parques temáticos, chega-se a um total de US$ 4 bilhões em produtos licenciados com a figura do roedor.

Do cinema para o gibi

Como a maioria dos personagens de Walt Disney, Mickey também não nasceu nos quadrinhos e sim no cinema, em uma série pioneira de desenhos animados, a primeira animação sonorizada do cinema, Steaboat Willie, um curta-metragem, com nove minutos de duração, lançado em 18 de novembro de 1928, ou seja, há 75 anos. (De fato, Steaboat Willie foi a terceira experiência, depois de Plane Crazy e Gallopin Gaucho, que não tiveram o resultado esperado.) Aos quadrinhos ele chegou dois anos depois, em 1930.

Seu criador foi um jovem de 27 anos de idade chamado Walter Elias Disney – cujo nome viria a tornar-se sinônimo de fantasia, de fabricante de ilusões, capaz de dar vida a pequenos animais e transformá-los em seres vivos, de carne e ossos, com reações iguais às nossas -, filho de família humilde (o pai era carpinteiro), criado em uma fazenda do Missouri, que nunca terminou o ginásio. Ele era, então, apenas um obscuro desenhista, que fizera de uma velha garagem o seu “estúdio” e tinha dois “sócios”, o também desenhista Ub Iweks e o irmão Roy, e um sonho na cabeça. Mickey foi só parte dele. Ou, melhor, o ponto de partida para a realização desse sonho.

Idéia veio no trem

Diz a lenda que, no outono de 1927, Walt Disney voltava para Los Angeles, no compartimento de terceira classe de um trem, depois de haver sido ludibriado em Nova York por um distribuidor mau caráter, que se apossara de uma criação sua (o coelho Oswald), quando viu passar um camundongo. De imediato, surgiu a inspiração.

O acontecimento histórico é contado por ele próprio:

? Eu estava profundamente triste e decepcionado. Procurava distrair-me, pensar em outras coisas. Foi então que apareceu Mortimer (Nota do repórter: assim foi chamado primeiramente o personagem, mas a esposa de Walt, Lilian Bounds, achou o nome muito “sisudo” e “pomposo”, e sugeriu Mickey, algo como “Miguelzinho”). Atravessando Ohio, vislumbrei um Mortimer ideal: olhos redondos, orelhas achatadas, uma cara humana, as pernas compridas e finas e os braços tão compridos quanto as pernas.

À medida que o trem avançava, Walt foi se empolgando com a própria idéia. Ele não era bom desenhista, mas tinha muita imaginação:

? Um ratinho alegre, travesso, brincalhão… Na fronteira com Illinois, eu o vesti: calção pequeno, sapatos grandes e um par de luvas, nem sei bem por que. Em Kansas, encontrei uma noiva para ele (Minnie), e no Arizona, uma moral: Mortimer seria sagaz, mas honesto; severo, mas justo; sedutor, mas leal.

Na verdade, a imagem desse ratinho já acompanhava o jovem Walt há algum tempo. Desde quando, aos 16 anos, ele resolveu deixar a casa dos pais para tentar a sorte por conta própria. Anos mais tarde, confidenciaria à filha, que o biografava:

? Em Kansas City, eu estava tão “quebrado” que passei a morar no próprio estúdio da “Laugh-O-Gram”, onde trabalhava. E, seguidamente, os camundongos se reuniam em torno de minha cesta de papéis. Um deles até se tornou meu particular amigo…

Paternidade duvidosa

Há quem simplesmente se recuse a conferir a Disney a paternidade não apenas de Mickey como de quase toda a rica “fauna disneyana”. Walt seria, quando muito, um inspirador ou supervisor do trabalho. (É certo que ele contava, em sua equipe, com alguns dos mais destacados criadores de cartoons e comics dos EUA, como, por exemplo, Carl Barks, que seria o verdadeiro “pai” do Pato Donald, surgido em 1938, assim como dos três sobrinhos deste; do primo Gastão, de Tio Patinhas, do Prof. Pardal e da Maga Patalogika. Floyd Gottfredson seria o criador de Horácio e Clarabela; e Paul Murry, o idealizador de Pateta e Pluto. Nos estúdios de Disney também atuaram William Hanna e Joseph Barbera, a dupla criadora de Tom & Jerry, Zé Colmeia, Os Flintstones, Os Jetsons, etc.; e Walt Kelly, autor de Pogo.)

Nascimento do império

De todo modo, coube a Ub Iwerks, sócio de Walt, dar forma gráfica a Mickey. E quando a primeira aventura (“Mickey na Ilha Misteriosa”) chegou aos jornais, o pequeno herói já galgava os degraus da fama. Daí para o sucesso internacional foi um pulo, enquanto Walt, com muita habilidade e inegável inteligência, transformava o modesto estúdio de fundo de quintal em um império de milhões de dólares. Ele já não era aquele desenhista medíocre, cheio de ideal, mas um poderoso capitão de indústria, plenamente inserido no sistema capitalista americano.

Mickey, por seu turno, também foi mudando de feição e de personalidade com o passar do tempo. Aburguesou-se, claro, e se transformou num mero instrumento do establishment – como registrou o crítico carioca Carlos Alberto Miranda. Não tem mais aquela pureza inicial e, a despeito de usar agora chapéu e gravata, está cada vez mais parecido com um rato.

Depois do falecimento de Disney (em dezembro de 1966), a maioria das histórias de Mickey passou a ser produzida fora dos Estados Unidos, particularmente na Itália e até mesmo no Brasil, nos estúdios da Editora Abril. Isso não impede, porém, que a Walt Disney Productions continue cobrando direitos autorais pela utilização do personagem, cuja propriedade ainda é dela.

No Brasil, Mickey surgiu nas páginas de O Tico-Tico e, em seguida, mudou para o Suplemento Juvenil e O Mirim. Mais tarde, esteve em Seleções Coloridas, primeira publicação da Editora Brasil-América Ltda. EBAL, de Adolfo Aizen. Em 1950, com a fundação da Editora Abril, que passou a deter, desde então, os direitos de publicação de todas as criações dos Estúdios Disney, o camundongo teve as suas aventuras publicadas nas páginas de O Pato Donald, até ganhar revista própria, em 1953.

Comemorando os 75

Para comemorar a passagem do 75º aniversário de vida de Mickey, a Walt Disney Company está anunciando uma série de eventos. O ratinho deverá ganhar novos produtos com a sua imagem, filmes em vídeo e DVD, uma nova atração no parque Disneyword e uma coleção de selos. O herói também voltou recentemente aos gibis norte-americanos, depois de uma ausência de quatro anos das bancas.

No Brasil, até o dia 27 de novembro corrente, a rede Cinemark (Rio e São Paulo) exibirá o curta Mickey, o Maestro (The Band Concert, de 1935), antes das sessões da programação normal. Além disso, Mickey ganhou um site especial, o canal a cabo Disney Channel tem apresentado diariamente os desenhos clássicos do personagem e a Editora Abril está lançando uma edição em quadrinhos com histórias antigas do personagem.

Walt Disney: mocinho ou bandido?

Mais de trinta e cinco anos depois da morte de Walt Disney, o mago dos desenhos animados, a polêmica continua: teria sido ele herói ou vilão?

Há quem afirme ser a segunda hipótese a mais verdadeira. Para os chilenos Ariel Dorfman e Armand Mattelart, por exemplo, mais do que mero comerciante e propagandista do american way of life ou caixeiro-viajante da fantasia e porta-voz da “irrealidade”, Disney foi um perigoso agente do colonialismo cultural norte-americano, que subverteu o acervo do homem contemporâneo: conseguiu colocar em cada lugar do mundo os seus personagens colados na parede ou impressos em objetos e acessórios de plástico, roupas de vestir ou de cama e mesa, compelindo cada ser humano, de uma forma ou de outra, a integrar, quase que obrigatoriamente, o universo disneyano.

Outros, no entanto, acham isso tudo uma bruta asneira ou paranóia pura. E preferem lembrar-se do velho Walt apenas como um empreendedor que conseguiu dar forma concreta a seus sonhos e ensinou a todos, através de seus personagens animados e suas produções cinematográficas, que, em um mundo marcado pelo caos e pelos conflitos, ainda há lugar para inocentes fantasias infantis.

A opção fica por conta dos leitores e cinéfilos. (CHG)

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