Michael Moore surpreende Cannes

Existem momentos fantásticos em Fahrenheit 9/11, o novo documentário de Michael Moore exibido ontem, no 57.º Festival International du Film. Tome a palavra no seu duplo sentido – fantástico como algo de qualidade excepcional e também como fantasia, o que não pode pertencer ao domínio do real.

Em 11 de setembro de 2001, o presidente George W. Bush visitava um jardim de infância no Texas quando foi informado de que um avião, o primeiro, chocara-se contra as torres gêmeas, em Nova York. O livro que Bush tem na mão é sobre um carneirinho de estimação, ou coisa parecida. Ele fica parado – e, na trilha, Moore conjetura sobre o que o presidente conjetura nesses minutos (não são apenas segundos). Entra o assessor e informa sobre o segundo ataque, o segundo avião. Bush permanece sentado, sem reação.

São imagens que você nunca viu – porque nunca ninguém tentou mostrá-las. Moore explica: “Imaginamos que deveria haver um registro gravado ou filmado daquele encontro com as crianças. Fomos atrás e realmente havia.” Ninguém foi, antes dele. É um dos momentos mais reveladores de Fahrenheit 9/11. Não é só um filme. É um evento.

E o documentário de Moore, o que expõe? É a farsa em que se transformou a presidência de George W. Bush, que Moore não se furta a chamar de ‘desgraça da América’. Não se iluda – depois de assistir a Fahrenheit 9/11, você fica convencido, mais do que nunca, de que há uma quadrilha infiltrada na Casa Branca. Bush e seus asseclas – sua gangue, segundo Moore – são especialistas em pilhagem e mentira, que estão usando a boa-fé e o patriotismo do povo americano para favorecer um projeto ditatorial. São pessoas que não têm outro compromisso que não com o dinheiro. Moore pode ser acusado de manipulação, mas ele responde que não conhece nenhum diretor que não manipule o público. E a questão é – seu filme exibe uma coleção impressionante de documentos que expõem a ligação de Bush com a família Bin Laden, uma ligação antiga.

Moore recusa-se a dizer que seu filme foi concebido como vitrine para sua campanha contra a reeleição de Bush. Tudo bem com a vitrine, o problema é a reeleição. “Ele não foi eleito; o que ocorreu na Flórida foi a maior fraude na história das eleições nos EUA; Deus nos livre, mas se George son (filho) for reeleito, na verdade estará sendo eleito. Não creio que consigamos agüentar mais quatro anos.” O filme abre-se justamente com as imagens da fraude concretizada na Flórida, cujo governador era irmão do candidato à presidência, para garantir a vitória de George W. Bush.

Tudo o que Moore diz é documentado. Fahrenheit 9/11 será exibido, no Brasil, pela Europa. Justamente a Europa, o continente, não a distribuidora. Moore bateu pesado no premier Tony Blair e elogiou a coragem dos governos da França e da Alemanha de se opor ao projeto imperial de George W. Bush. O filme é uma porretada. Denuncia a manipulação da opinião pública na Guerra do Iraque, mostra imagens de abusos contra prisioneiros iraquianos anteriores a essas que surgiram recentemente. Mentira, mentira, mentira. Manipulação, manipulação, manipulação. E claro – defesa do grande capital. O próprio Moore aparece menos do que em Tiros em Columbine. Ele explica. “Esse é um filme de um só palhaço. Não poderia concorrer com quem tem as melhores cenas: Mr. Bush.”

Bush é mentiroso

Seguir Michael Moore é uma das tarefas mais reveladoras do Festival de Cannes. Como candidato em campanha, ele não perde a oportunidade de atacar a gangue instalada na Casa Branca.

P – Você acha que George W. Bush pode ser comparado ao tristemente célebre senador McCarthy, que comandou a caça às bruxas?

Michael Moore -McCarthy tinha convicções ideológicas. Fazia tudo contra o comunismo. Bush só faz tudo pelo dinheiro.

P – As recentes denúncias de violações de direitos humanos no Iraque foram surpresa para você?

Moore – De maneira nenhuma. Quando a alta cúpula revela tamanha imoralidade, não se pode esperar dos comandados que mantenham a moral. Mas o que me escandalizou foi o fato de Bush haver colocado a culpa nas tropas, falando em quebra de conduta ou de caráter. Esses jovens estão sendo enviados para morrer por um canalha que não lhes dá apoio.

P – Você costuma ser acusado de manipular informações. O que pensa disso?

Moore – O que eu faço é inócuo perto do que essa gente instalada no poder anda fazendo. E as pessoas podem me acusar de buscar certos efeitos no inconsciente do público, mas não de mentir. Isso, quem faz, são Bush e seus parceiros de crime – partners in crime.

Gilberto Gil e companhias estão na festa

O Festival de Cannes é o que o Oscar gostaria de ser. O maior dos festivais, o lugar onde os maiores do mundo confrontam seus pares. De Jean-Luc Godard a Wong Kar-Wai, de Brad Pitt a Cameron Diaz, Cannes é relevante para qualquer pessoa que se importa com o cinema.

Este ano há 18 filmes em competição – o Brasil participa com a direção de Walter Salles Jr. em Diários de motocicleta, que será exibido amanhã. O festival também mostra filmes fora de competição. Este ano, uma superprodução, Tróia, de Wolfgang Petersen, estrelado por Brad Pitt, está nesta categoria.

Homenagem ao Brasil

O cinema brasileiro também é homenageado em Cannes, a menina dos olhos de 10 entre 10 cineastas locais. Com a presença do ministro da Cultura Gilberto Gil, a celebração ao cinema nacional começou no domingo em Cannes. Uma sessão de Bye bye Brasil, de Cacá Diegues, na Sala Buñuel. No mesmo cinema, serão exibidos até o fim do festival cinco filmes brasileiros, incluindo O pagador de promessas, de Anselmo Duarte, vencedor da Palma de Ouro em 1964, há 40 anos. Dona Flor e seus Dois Maridos passou no telão da praia da cidade.

O diretor Cacá Diegues; o ator e diretor da RioFilme José Wilker; os produtores de cinema Lucy e Luiz Carlos Barreto; o secretário do Audiovisual Orlando Senna e muitos outros convidados brasileiros compareceram à homenagem. O próprio programador de Cannes, Thierry Frémaux, esperava a dupla lá no alto, para declarar aberta oficialmente a seleção de filme que homenageia o Brasil. O primeiro filme foi Bye Bye Brasil, mas a música que ecoou no Palais foi do filme Quilombo, aquela que diz que existe um Eldorado negro e está no País. O ministro Gilberto Gil estava visivelmente emocionado.

Glauber Rocha também é homenageado em Cannes, por ter sido um dos líderes do Cinema Novo. Vários filmes do cineasta baiano estão passando em diversas salas.

Boa notícia

Outra boa notícia para o Brasil em Cannes. Katia Lund integra o grupo de diretores de vários países reunido pela Unicef para um projeto que se antecipa muito interessante. O Fundo das Nações Unidas para a Infância convidou diretores de todo o mundo para um projeto coletivo que vai se chamar The Invisible Children, formado por curtas retratando a situação das crianças abandonadas de vários países. Do lançamento participaram Emir Kusturica, John Woo e Jordan Ridley, filha de Ridley, que vai dirigir seu episódio com o pai. Kátia anunciou que o curta dela será filmado em São Paulo. Co-diretora de Notícias de Uma Guerra Particuilar, de João Moreira Salles, ela fez um trabalho espetacular com as crianças de Cidade de Deus. Kátia vai fazer agora, no curta, seu primeiro grande trabalho-solo. O mundo todo estará de olho na diretora que tornou tão convincente a tragédia das crianças do filme que Fernando Meirelles adaptou do livro de Paulo Lins.

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