Maysa retratada pelo texto de Manoel Carlos

A mesma impetuosidade emotiva que conduzia a vida da cantora Maysa direciona a minissérie Maysa – Quando Fala o Coração. A convite de Jayme Monjardim, filho da cantora e diretor da produção, o autor Manoel Carlos dissecou os momentos mais relevantes na história da artista, após meses de pesquisa num extenso material guardado por Jayme. Depois de esmiuçar desde arranjos originais a dezenas de registros de shows e entrevistas, Maneco selecionou as passagens mais tórridas da vida de Maysa. Sem nenhuma ordem cronológica, decidiu contar a história da cantora dos 15 aos 40 anos de idade, interrompidos por um trágico acidente de carro no Rio, em 1977.

Neste mesmo ano, nasceu Larissa Maciel, escolhida entre mais de 200 atrizes para interpretar a cantora na trama que estreia amanhã, na Globo. “Me preparei mais de 20 anos para esse trabalho. A ficha ainda não caiu. Estive anestesiado estes meses de gravação e só me posicionei como diretor. No dia da estreia, me permito assistir como filho”, emociona-se Jayme.

Embalada a emoção, a história de Manoel Carlos, que conta com vários elementos ficcionais, não chega a camuflar a ousada personalidade da cantora. Tanto que o autor não poupa toda a insensatez de Maysa, que será mostrada em cenas de noitadas, bebedeiras e tentativas de suicídio. A história pretende exibir, em nove capítulos, que além de ter um comportamento à frente de seu tempo, Maysa traduzia toda sua fossa e paixão em canções. Acordes esses que eram cantados em quatro idiomas pela inquieta poliglota, conhecida por gravações em inglês, espanhol, italiano e francês. Tanto que uma de suas mais conhecidas interpretações é a canção Ne Me Quite Pas.

Para se preparar para incorporar a dama de incríveis olhos verdes, chamados de “oceanos não-pacíficos”, Larissa mergulhou por um ano neste projeto, num trabalho de 10 horas diárias de aulas de corpo, voz, sessões de fonoaudiologia e uma incansável pesquisa. “Senti que a Maysa ia aprovando o meu trabalho. Ela foi orquestrando o meu aprendizado desde o início. A cada cena, por mais simples que fosse, carregava todo um universo de emoções”, explica Larissa Maciel.

Pedro Paulo Figueiredo/Carta Z Notícias
Larissa Maciel foi escolhida entre 200 atrizes para interpretar o papel.

Quase toda gravada em externas, a minissérie foi rodada em locações como o Hotel Copacabana Palace, no Rio, e o Hotel Quitandinha, em Petrópolis, que serviu de cenário para reproduzir shows, como o do Olympia, em Paris. Já o Palácio Laranjeiras, no Rio, virou cenário do interior da suntuosa casa da família Matarazzo. No início da trama, aos 17 anos, Maysa se apaixona pelo bilionário empresário André Matarazzo, vivido por Eduardo Semerjian, 20 anos mais velho.

Do casamento com separação de bens – por exigência dela – nasceu o único filho do casal, Jayme Monjardim. Pouco depois, Maysa explode como cantora e enfrenta toda a resistência da tradicional família paulistana. Ao optar pela música, se separa de André, faz shows pelo mundo e torna-se uma das cantoras brasileiras mais bem pagas da época.

Para retratar com sofisticação essas imagens, Jayme convidou o diretor de fotografia Affonso Beato, que assinou trabalhos internacionais, como longas do cineasta Pedro Almodóvar. “Com ele, apresentamos uma estética apurada para lançar esse trabalho no cinema e, em breve, também em DVD”, avisa Jayme.

Outros convites também emocionaram Jayme na trama. Na escolha do elenco, o autor sugeriu que os filhos do diretor, Jayme e André Matarazzo, deveriam interpretar o próprio pai em duas épocas da história. Neste turbilhão de sentimentos que permeia a produção, não poderiam faltar os t,órridos amores da cantora, como o compositor Roberto Bôscoli, vivido por Mateus Solano.

Apesar do breve romance, a relação deu frutos. Foi Bôscoli quem apresentou a Bossa Nova à Maysa, que gravou diversas canções do músico, como O Barquinho, conhecido internacionalmente. “Eles tiveram um caso interessantíssimo, intenso, arrebatador. É esse o tom dessa história. Os limites de uma mulher que não se poupou na vida”, destaca Manoel Carlos.

Além da reinvenção do cotidiano

Manoel Carlos conversa com a serenidade dos sábios. Mas não explicita sua erudição. Prefere manifestar a experiência de mais de 50 anos como ator, diretor e autor de tevê reciclando o cotidiano em suas histórias contemporâneas. Quase sempre conduzidas por intensas e humanizadas protagonistas. Mas, na contramão de suas novelas passadas no Leblon, Maneco foi pego de surpresa com um inusitado pedido de Jayme Monjardim.

O diretor sugeriu que o autor transformasse em minissérie a vida da cantora Maysa, mãe de Jayme. Diante do convite, o paulistano de 75 anos não só se deparou com o ineditismo em sua carreira de escrever sobre a vida de alguém que já existiu, mas com o dilema de configurar em folhetim a vida polêmica da cantora na trama Maysa – Quando Fala o Coração, que estréia amanhã na Globo.

Mais embaraçoso ainda seria retratar as passagens mais constrangedoras da impetuosa intérprete e compositora. Afinal, Maysa se expunha intensamente através dos tórridos romances e homéricas bebedeiras misturadas com tranquilizantes, tudo devidamente focalizado na história pela lente do próprio Monjardim.

O Jayme disponibilizou todo o acervo da Maysa para a trama. O que você priorizou para a minissérie diante do vasto material?

Manoel Carlos – Fiquei admirado quando recebi o arquivo porque tinham coisas aparentemente insignificantes. Ela guardou tudo, só de capas da revista Manchete, havia mais de cem. Tinha todos os arranjos originais de tudo que ela gravou. Fiquei bobo. Ela parecia tão porra-louca, mas não era não! Essa organização inicial foi o mais duro de enfrentar, porque sabia que usaria só uns 10% de todo aquele material. Foi um trabalho de triagem. Mas é importante lembrar que não é uma biografia da Maysa. É uma minissérie escrita por mim e baseada na vida dela.

Na trama, que não obedece uma ordem cronológica, você inseriu vários elementos ficcionais. Por quê?

Manoel – Não queria fazer uma obra biográfica, didática. Queria ter a liberdade de fazer o que eu quisesse com a vida dela. Claro que não há nenhuma deturpação. Mas mudei coisas, não obedeci ordens. Tem acontecimentos que são chatos na vida de qualquer pessoa. E alguns pequenos episódios rendem muito. Para você ter uma ideia, o marido André Matarazzo, primeiro grande amor da vida dela, fica na história até morrer. Mas o (Ronaldo) Bôscoli, com quem ela teve uma relação de quatro meses, está em oito capítulos. O Carlos Alberto, que viveu com ela anos, está em um capítulo porque só havia a chata rotina do casamento. Valorizei a relação dela com o Bôscoli porque é muito mais rica, intensa.

Diante dessas escolhas, em algum momento você receou a reação do Jayme?

Manoel – Não. Só aceitei fazer esse trabalho porque ele me deu carta branca. Fiquei muito envaidecido. Pensei bem, conversei com a minha mulher, falei: “Tenho uma relação tão boa com o Jayme, tão pacífica. De repente, vou mexer num negócio que é da mãe dele, podemos ter algum atrito”. Mas não tive coragem de negar. Conversei com ele e estabeleci algumas condições. Iria fazer como se fosse a vida da Ângela Maria. Não posso ficar pensando que ela é a mãe do Jayme. Numa cena, ela toma um porre e corta os pulsos e eu vou falar: “Pôxa, mas é mãe do Jayme”. Ele disse que o que eu fizesse, seria gravado. E não fez uma mudança.

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