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Marcelo Tas faz 60 anos e relembra sua trajetória na TV e na vida

Desde a criação de programas e personagens, passando pela sua análise do mundo da TV e da comunicação como um todo, o ex-apresentador do CQC, que atualmente está à frente do Provocações, da TV Cultura, e eternizou personagens como Ernesto Varela, Professor Tibúrcio e Telekid fala sobre praticamente tudo.

O nome Tas é uma sigla formada pelas iniciais do sobrenome de Marcelo: Tristão Athayde de Souza. O nome é usado desde a época em que assinava a lista de presença nas aulas da Escola Politécnica da USP, onde cursou engenharia civil.

“Na engenharia comecei a escrever um jornalzinho de humor, chamava-se Cê-Viu?. Foi aí que comecei a usar mesmo o pseudônimo, assinando as matérias como Marcelo Tas”, completa.

A ‘virada’ na vida de Tas teve início na dramaturgia – conheceu a cena teatral e chegou a trabalhar com o diretor Antunes Filho. Antes de estrear para valer nos palcos, partiu para o vídeo, graças a amigos que haviam criado recentemente uma produtora.

Tas começou a ficar conhecido pelo público principalmente a partir de seu trabalho na Olhar Eletrônico, produtora onde conheceu nomes como Fernando Meirelles, Paulo Morelli, Marcelo Machado, Dário Vizeu, Tonico Mello e Renato Barbieri.

“A gente se reuniu e foi feita uma vaquinha para comprar uma câmera de vídeo e uma ilha de edição. Esse foi o momento que falei: ‘Agora eu encontrei. Essa é a comunicação que eu quero entender’. Foi quando eu realmente abandonei tudo, até o Antunes Filho e resolvi me dedicar só a fazer vídeos.

Até hoje, Tas relembra a primeira vez em que seu nome apareceu nos créditos de uma produção: o curta-metragem Marly Normal, de Fernando Meirelles.

O repórter Ernesto Varela

O repórter Ernesto Varela, personagem criado por Tas, representa, segundo o próprio, “a primeira vez que fiz uma coisa na frente da câmera que chamou atenção.”

“A gente começou a fazer entrevistas, no início, com pessoas desconhecidas, depois artistas e políticos. Cobrimos todo aquele ambiente de redemocratização que o Brasil estava vivendo: Diretas Já, votação da emenda Dante de Oliveira…”

Ernesto Varela era conhecido por fazer perguntas mais ‘ácidas’ e capciosas aos seus entrevistados, como Nabi Abi Chedid, que já ocupou os cargos de deputado estadual, dirigente da CBF e presidente do Bragantino (clube que recentemente conquistou o acesso à Série A em 2020), às vésperas da Copa do Mundo de 1986.

“O senhor é um político que se meteu no meio do futebol. Por que os futebolistas não podem se meter no meio da política?”, questionava. Ao ser informado que Chedid responderia apenas perguntas ligadas ao esporte, emendou: “Qual é a sua próxima jogada?”

Em 1984, confrontou Paulo Maluf em uma entrevista “exclusiva de meio minuto”: “Percebi que muitas pessoas não gostam do senhor, dizem que o senhor é corrupto, é ladrão… É verdade isso, deputado?”. O político não respondeu e foi embora.

Em 2016, o personagem foi o centro da exposição Varela Upload no Itaú Cultural, em São Paulo. Parte significativa do acervo de Ernesto Varela está disponível atualmente em um seu site.

Tas também fala do estilo ‘semelhante’ entre o personagem e o programa que apresentaria anos depois: “O CQC tem a ver com o Varela? Tem, o próprio cara que criou o projeto fala que se inspirou no Varela, mas o CQC é uma plataforma que foi muito além. Programa de duas horas, com muitos talentos envolvidos, jornalistas, inclusive”.

CQC

Em 17 março de 2008, foi ao ar pela primeira vez o Custe o Que Custar, mais conhecido pela sigla CQC, na Band. Marcelo Tas foi chamado para “comandar essa bagaça”, como costumava dizer no ar.

“Para mim, o segredo do CQC não são os humoristas, mas principalmente os jornalistas que estavam atrás dos humoristas e davam embasamento técnico para as piadas, especialmente as de conjuntura, de Brasília, denúncia… Aquilo era produto de muito jornalismo com o talento dos humoristas na frente da câmera. Um não existiria sem o outro”, analisa hoje.

A aparição em um programa tão popular marcou um novo momento para a carreira do apresentador: “O CQC juntou tanto uma galera que não me conhecia, quanto a que me conhecia. As pessoas não sabiam que ‘aquele careca do CQC’ era o Telekid do Castelo Rá-Tim-Bum. Serviu para juntar o meu público que era criança e ficou jovem e o pai, que conhecia o Varela”.

Questionado se o programa deixou uma ‘lacuna’ pelo seu tipo de cobertura, Tas responde: “Eu creio que isso significa oportunidade risos. Tem essa lacuna, com certeza, de jovens que não confiam ou não têm saco de acompanhar o noticiário pelo jornalismo tradicional. Talvez aí se explique um pouco o crescimento dos youtubers”.

Entre os momentos marcantes do CQC estavam o quadro Top Five, em que Tas apresentava cinco momentos bizarros ocorridos na TV aberta brasileira, embalado por um instrumental de Enter Sandman, do Metallica. Algumas figuras, como Silvio Santos e Maisa Silva, eram presenças frequentes no quadro.

Ousadia na TV

“Vale a pena ser ousado. Televisão tem memória curta. Quando você faz uma coisa que explora os limites do que é possível fazer, creio que tem mais chance dessa coisa dialogar com gerações futuras, sabe?”, reflete Tas, pedindo por ousadia na TV.

Em outro momento, ressalta a importância de canais como os que foram a MTV e a TV Cultura em décadas passadas.

“As emissoras que têm uma audiência mais de nicho são muito sábias em serem mais ousadas. Acho que esse é o papel delas, mesmo. A dificuldade é elas reterem esses talentos ou projetos”, afirma.

“O CQC é um exemplo disso. Depois, cada um toma outra vida, acaba não ficando na Band. Acho uma pena. As emissoras têm que se preparar para o sucesso dos projetos e tentar desenvolver novos”, concluiu.

‘Olá, classe’ – A origem do Professor Tibúrcio

“O Fernando Meirelles, faltando uns três meses para o Rá-Tim-Bum estrear, falou: ‘cara, você não vai aparecer no programa. Dá um jeito!'”, relembra Marcelo sobre a origem do icônico Professor Tibúrcio, que aparecia sempre usando beca, com maquiagem carregada e longos cabelos.

Pouco depois, viu uma pilha de pastas com objetivos pedagógicos nos quais o programa se basearia. Ela já estava reduzida, e com “coisas difíceis de explicar” quando surgiu a ideia: “Um professor tem direito de explicar do jeito que ele quiser! Foi essa a linha de criação do Tibúrcio”.

Por conta do tempo escasso, Tas deixou a câmera “travada” para o quadro. “Pode ver que a câmera do Tibúrcio não se mexe. Isso fez com que a gente pudesse gravar vários quadros, e a edição praticamente não existia. Isso facilitou muito”.

“É engraçado, até hoje tem gente que ‘liga os pontos’ e fala: ‘caraca! você era o Professor Tibúrcio!”, se diverte Tas.

Marcelo Tas também foi um dos personagens do clássico Castelo Rá-Tim-Bum que em breve terá o lançamento de um novo livro, Raios e Trovões: Telekid, que aparecia para dar explicações após perguntas feitas pelo personagem Zequinha.

Cao Hamburger, criador e diretor do programa, chamou Tas quando já haviam três programas ‘prontos’. “Queria muito que você estivesse no Castelo. Dá uma olhada e vê se você tem alguma ideia”, teria dito ao colega.

Em um primeiro momento, o apresentador não conseguiu pensar em algo. Ao receber mais fitas para assistir, reparou que era recorrente a cena em que os personagens respondiam ao jovem: “Porque sim, Zequinha!”.

“‘Vai ter sempre esse negócio?’ Porque tem sempre um adulto falando ‘Porque sim’ para o Zequinha. Aí tive a ideia de criar uma vinheta. Toda vez que alguém fala ‘Porque sim’, interrompe a narrativa lógica do Castelo e eu entro de um computador.”

“Era um quadro que precisava de muitos recursos tecnológicos. A gente gravava de madrugada na TV Cultura, porque tinha que parar a emissora, praticamente, para fazer os efeitos do Telekid”, relembra.

Na TV Cultura, Marcelo Tas também esteve à frente do Vitrine, programa que contou com diversos apresentadores ao longo de sua existência. Em março de 2000, por exemplo, já era possível conferir edições anteriores do programa em seu site.

“Foi pioneiro, mesmo. Não só ao falar de internet em TV aberta, mas ao usar a internet. As pessoas entravam ao vivo por e-mail, chat… Em 2000, no ano da Olimpíada de Sidney, a gente transmitiu o Vitrine da Austrália por internet”, relembra Tas.

Na MTV, Marcelo Tas, como Ernesto Varela, esteve à frente do Netos do Amaral – paródia de Amaral Netto, o Repórter, primeiro programa fixo da Globo exibido em cores, em que o jornalista mostrava locais distantes do País e exaltava obras da ditadura militar, era exibida à noite, nos fins de semana, entre 1968 e 1983. Tas, é claro, mostrava o País sob uma ótica bastante diferente.

“Foi um projeto que produzi com o João Moreira Salles. Fui de Ernesto Varela viajar pelo Brasil, ver como estava aquele Brasil grande, que o Amaral Netto na ditadura falava que não tinha tantos problemas”, conta Tas.

O programa era dividido em três blocos e tinha cerca de 35 minutos no total. Nele, o apresentador fez viagens ao Oiapoque, para mostrar a fronteira brasileira com a Guiana Francesa, a São Luís, mostrar a “invasão jamaicana”, e a Barretos mostrar a “invasão texana”.

Tas também relembra outro trabalho na emissora, à época em que o País se decidia entre república ou monarquia e entre presidencialismo ou parlamentarismo.

“Fiz uma série que gostei muito na MTV, mais curtinha, quando o Brasil fez o plebiscito em 1993, chamada O Que o Brasil Vai Ser Quando Crescer? Era uma ficção, fazia um personagem tresloucado, um cara meio baseado em políticos ambiciosos”, conta.

“Participei do núcleo do Guel Arraes no início da década de 90, nós criamos vários programas. Era um núcleo grande de roteiristas. Um dos projetos que nós criamos foi o Casseta e Planeta. Fiz duas ou três participações como Ernesto Varela, mas foi coisa curta”, relembra Marcelo Tas sobre o período em que esteve na Globo.

Em 1987, aparecia repleto de maquiagem branca para um quadro no Vídeo Show, programa que chegou a apresentar.

Tas também participou da criação do Fora do Ar, quadro do Fantástico que não chegou a estrear, no fim da década de 1990. “Esse quadro foi premonitório, ficou ‘fora do ar’ risos. O projeto nasceu um pouco antes do tempo, era muito ousado. Misturava jornalismo com ficção. Hoje é uma coisa corriqueira, mas, na época da virada do milênio, tinha uma certa insegurança ali”.

“Esse projeto é um dos que os professores de jornalismo mais usam. É engraçado. Não foi para o ar, mas é muito estudado”, conta Tas.

Telecurso

“É o maior projeto de televisão que eu já participei, fiz mais de 10 anos. É importante entender que minha função era coordenar a criação de roteiros de televisão”, relembra Tas sobre sua participação no Telecurso, que marcou época na Globo e em TVs públicas.

Em seguida, complementa: “O Telecurso era um projeto muito amplo, tinha equipe de professores, produção dos programas… Chegamos a ter 14 roteiristas trabalhando.”

Provocações – a ‘licença’ de Abujamra

Desde maio de 2019, Tas retornou à TV Cultura, desta vez como entrevistador. Mas não sem antes uma negativa: “Quando me chamaram para fazer o Provocações, a primeira resposta que eu dei foi ‘não’, porque era o programa do Antonio Abujamra ator e diretor morto em 2015.”

“Sempre falei pra mim mesmo: talk-show é uma coisa que você só faz se a emissora te chama e quando você tem 60 anos. Quando cheguei em casa depois do primeiro ‘não’, falei ‘cacete! É a emissora que está me chamando e eu vou fazer 60 anos!”, ri.

Na sequência, o apresentador do programa que trouxe nomes como Ciro Gomes, Danilo Gentili e Pedro Cardoso na última temporada complementa: “Pedi ‘licença’ para o Abujamra. Até liguei para a família, sou amigo do André Abujamra, filho de Antonio. Recebi dele de volta provocações: ‘Eu quero que você se lasque!’. Aí me senti provocado e topei risos”.

Questionado sobre nomes históricos que gostaria de entrevistar – sem levar em conta a data – Tas responde: “Cleopatra. Com certeza. É a mulher que está empoderada desde o Egito antigo.”

“Outro cara que eu amaria, e infelizmente não vai dar mais tempo, é o Arthur Clarke morto em 2008, roteirista de 2001: Uma Odisseia no Espaço. É meu ídolo, tanto na ficção científica quanto na ciência”, complementa.

Figura conhecida no mundo da internet Marcelo Tas reflete sobre o momento em que passou a sentir uma maior proximidade do público com a TV em termos de redes sociais.

“Um ano pra mim é muito nítido é 2009, que é o ano do smartphone e o ano que eu saí em uma matéria do Wall Street Journal, falando que eu era o primeiro influenciador que tinha conseguido patrocínio no Twitter. Pra mim foi um p*** susto.”

“Não é que as redes sociais interferem na audiência da televisão, elas interferem dentro do coração das pessoas. Quem muda são os telespectadores, porque se sentem poderosos. Começam a falar. Antes, eles ficavam calados assistindo televisão”

O que Marcelo Tas assiste?

Com o rádio “sempre ligado” e acompanhando novas plataformas de streaming como a Netflix e a Amazon, Tas reflete: “A coisa mais importante hoje é saber o que você quer ver, se não você vê muita bobagem. É fácil se perder nessa avalanche de oferta”.

“Eu consumo de tudo, desde coisas ‘antigas’, que seria ver os jornais, por exemplo. Podcasts de filosofia… Gosto demais do Iberê Thenório, do Manual do Mundo. A dupla do Jovem Nerd – talvez os caras que melhor entenderam o panorama da nova comunicação.

“Tenho um panteão de ‘gurus’. O Antunes Filho diretor teatral foi um grande mentor da minha carreira. O Guel Arraes diretor de TV é outro. O Fernando Meirelles diretor de cinema é mais que um guru, um parceiro, até hoje”.

Entre personalidades estrangeiras, o apresentador também cita o britânico Stephen Fry e o criador da Wikipédia, Jimmy Wales: “Na era do fake news, a Wikipédia está se tornando um dos lugares de mais alto grau de confiabilidade das informações”

Os 60 anos de Marcelo Tas

O apresentador, que é casado com a atriz Bel Kowarick e pai de Luc, Clarice e Miguel, reflete sobre as seis décadas de vida completadas em 2019.

“Eu estaria mentindo se dissesse que é só mais um aniversário. As datas redondas chamam atenção para algo que a gente fica distraído, que é a passagem do tempo. Eu nunca tive a expectativa de chegar a essa idade. Meu único objetivo de vida até hoje relacionado a idade foi fazer 18 anos, porque eu queria ter carteira de motorista. O resto é lucro”, diz.

Em seguida, continua: “O engraçado é que ainda não sei o que é ‘fazer 60’. Assim como não soube o que foi ‘fazer 20’, 30, 40, nem 50. Eu espero que eu descubra uma hora dessas”.

Futuros projetos de Tas

“Resolvi não topar mais televisão que me obrigue a ficar ‘preso’ numa grade”, contou Tas, que passou quase uma década fazendo programas ao vivo – embalando o CQC e o Papo de Segunda, na GNT.

“Entrei para o conselho de professores do IBMec há coisa de três anos. Com parceiros, comecei a desenhar cursos que explicam ou tentam oferecer ferramentas para as pessoas se atualizarem diante da mudança que estamos vivendo na comunicação”

“Estou começando o ano 2020 fazendo o que eu gosto, que é ser professor”, diz o apresentador, que também oferecerá um curso em português na plataforma espanhola Domestika.

“Hoje o que me interessa muito é como aperfeiçoar a comunicação, e isso passa pela educação. Como ajudar professores a melhorarem a ciência da comunicação com esses alunos de tempos tão acelerados”, continua Tas.

Marcelo Tas também se revela “animado” para a temporada do Provocações em 2020: “Ano que vem vou me dedicar mais ainda ao Provocast podcast do programa. Já temos um desenho de convidados e até um cenário novo.”

“Tem um livro que eu estou devendo que vou ter que ‘parir’ no ano que vem. Prefiro nem falar para não dar uruca. Está travado faz três anos, agora avancei”, conta.

Tas também conta que tem vontade de voltar ao teatro, e cita a peça Zap, o Resumo da Ópera, de 1999, que considera “uma das melhores coisas que fez na vida”.

“E ainda quero fazer. É um projeto que está no meu horizonte. Tem sempre um maestro que descobre a existência do Zap e quer remontar. Estou muito a fim de remontar. Espero que papai do céu me dê essa chance ainda!”, conta Tas.

‘O que é a vida?’

Tas encerra a entrevista com uma frase de Abujamra, na qual se baseou para aceitar a apresentação do Provocações: “‘O que é a vida? A vida é minha. Eu estrago ela como quiser’. Me sinto muito agradecido por chegar aos 60”.

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