A suavidade da marola em contraponto à força impetuosa de um tsunami. O masculino versus o feminino, o sustento e o abismo. Por onde o amante se vai e o meio que pode trazê-lo de volta. As contradições que se encerram no mar são a inspiração para a mais nova criação do Grupo Corpo, “Sem Mim”, espetáculo que tem estreia nacional amanhã. O mote, que pode parecer simples, partiu do conteúdo do Ciclo do Mar de Vigo, de Martín Codax, o único conjunto reconhecido de canções do século 13 que chegou aos dias atuais.

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Representantes de uma das vertentes da tradição trovadoresca, as cantigas de amigo ou de amor, as sete obras foram o ponto inicial para a coreografia do Grupo Corpo, um dos grandes representantes da dança contemporânea brasileira no mundo. A ideia de trabalhar com essa lírica medieval nasceu da parceria do compositor de Vigo (Espanha) Carlos Nuñes com o compositor paulista José Miguel Wisnik. “O Nuñes queria gravar as sete canções, usando a música brasileira para dar atualidade ao som. A pesquisa chamou a atenção da companhia e eu achei que era uma grande ideia”, diz Wisnik.

O problema é que, juntas, as músicas não ultrapassavam 15 minutos e uma trilha sonora de dança precisaria de pelo menos o triplo de duração. Assim, começaram os dez meses de trabalho para ampliar o material. Para Wisnik, que é professor de literatura brasileira da Universidade de São Paulo, a oportunidade teve um gostinho a mais. “É um assunto que está na origem da língua portuguesa e da literatura”, afirma ele, que está em sua quarta colaboração com a trupe mineira.

Para interpretar as obras, foram convidados grandes nomes da música brasileira como Chico Buarque e Milton Nascimento, além do próprio Wisnik, que interpreta duas. As canções foram intercaladas com temas tradicionais dos repertórios instrumentais populares galego, português e brasileiro, recolhidos entre os séculos 17 e 20. O resultado agradou. Rodrigo Pederneiras, coreógrafo e um dos fundadores do Corpo, conta que ficou impressionado. “Eles foram geniais. Brinquei com o Wisnik dizendo que eu não precisava fazer nada. Era só mandar a plateia fechar os olhos e ouvir”, diz.

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Quem concordar com o coreógrafo terá a chance de levar o som da peça para casa. O CD da trilha estará à venda por R$ 40, durante as sessões no Teatro Alfa. Com a música pronta, foram três meses para Pederneiras dar forma ao espetáculo. “Todas as letras falam de amor. Há sempre uma jovem que está chorando a perda de um amor que morreu no mar ou que foi para outras terras pelo mar ou, ainda, a esperança de que o mar traga o amor perdido ou um novo amor. Ou seja, o vetor, o sujeito de tudo, é o mar”, diz o coreógrafo.

Tendo o mar em mente, Pederneiras achou um caminho nos paradoxos encontrados nas águas para elaborar a coreografia. “O mar é o sujeito que une e separa. É masculino, vigoroso, mas é feminino, provê. Coreograficamente, tem uma separação entre elementos femininos e masculinos”, diz. “Mas busquei movimentos mais despojados. O mar tem o seu vaivém. Então, pensei em movimentos ondulados não apenas para os bailarinos, mas também espaciais. Outro fator é que, para não ficar óbvio, o braço não é muito usado”, revela. No palco, 20 bailarinos recriam o vaivém das ondas do mar. A cenografia e iluminação são de Paulo Pederneiras. Freusa Zechmeister assina os figurinos da montagem. As informações são do Jornal da Tarde.

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Sem Mim + O Corpo – Teatro Alfa (R. Bento Branco de Andrade Filho, 722). Tel. (011) 5693-4000. De 04 a 14/8. Horários: qua., qui. e sáb., às 21h; sex., às 21h30; dom., às 18h. De R$ 40 a R$ 100. Livre.