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Mal-estar na civilização pós-moderna

Miguel Rio Branco mora e trabalha há nove anos no pequeno e bucólico distrito serrano de Araras, distante 100 quilômetros do Rio. Quando vem à capital, cidade em que viveu boa parte de sua vida adulta, sente-se angustiado. A violência, a pobreza e as ruas maltratadas nublam aquela que o artista, cosmopolita de nascimento, considera a maior beleza natural do mundo. Essa agonia não vem de agora, e se reflete em trabalhos como Wishful thinking e Maldicidade, que ele está expondo no Oi Futuro Flamengo, no Rio.

São obras produzidas em diferentes momentos de sua trajetória, e que têm um assunto comum: as entranhas do caos urbano e o mal-estar que ele provoca. Quando o visitante adentra o ambiente criado em Wishful thinking (2015), depara-se com plantas que emergem entre escombros. É a natureza se apoderando dos signos da civilização, retomando espaços, o oposto do que vemos no dia a dia das metrópoles.

Um andar acima, Maldicidade traz uma sequência de cenas clicadas por ele, nas últimas quatro décadas, que desnaturalizam a decadência da urbe: um ônibus tão lotado que um passageiro fica com a perna para fora da janela; uma cela abarrotada em cujas grades dependuram-se braços dos presos.

Noutro espaço, está a instalação Diálogos com Amaú (1983), com imagens projetadas sobre um tecido voil se alternando numa velocidade quase cinematográfica. O espectador é transportado para o tempo e o espaço de Amaú, índio caiapó fotografado por Rio Branco, captado em sua melancolia. Surdo, o garoto era discriminado na aldeia. O cenário em que é apresentado é o Norte degradado pelo garimpo e a prostituição.

Releitura de uma obra dos anos 1990, Sob as estrelas, as cinzas (2016) traz projeções que se alternam: flagrantes do garimpo, de ritos indígenas, da violência urbana saída das páginas de um jornal policialesco. Rio Branco a exibe depois de sabê-la censurada pelo governo chinês – a videoinstalação entraria na 6ª Trienal de Fotografia de Guangdong, ano que vem, mas foi considerada excessivamente violenta.

A produção do artista está desde sua gênese, entre os anos 1960/1970, repercutindo a vida real, em sua aspereza e graça. As cidades grandes, dos conflitos e da precariedade disfarçada, sempre estiveram em seu radar. Sua arte é política.

“As cidades brasileiras são tão maltratadas, não chegaram a um estágio civilizatório. As pessoas têm medo das ruas, é a ditadura da insegurança. É revoltante ver o potencial do Brasil e o que políticas equivocadas fizeram dele”, aponta Rio Branco, que é filho de diplomata, nasceu na Espanha e viveu em Nova York e em Buenos Aires.

“A cidade grande sempre foi meu lugar de trabalho e de ganhar a vida. O Brasil não tem municípios médios possíveis. O Rio é uma das cidades mais incríveis do mundo e anda de carro blindado. Não adianta derrubar o viaduto da Perimetral e construir o Museu do Amanhã se não tem escola nem hospital. É um acinte”, diz, referindo-se às reformas urbanísticas do centro carioca dos últimos anos.

A onda conservadora que vem ameaçando a liberdade de expressão no campo das artes assusta menos do que o atual estado de putrefação da política, conta o artista, cuja importante galeria, em Inhotim, tem aviso aos pais de crianças quanto ao conteúdo forte de Diálogos com Amaú.

“O aviso é porque há cenas de nudez e violência, é normal. Mas existe maior violência e perversidade do que se vê na rua?”, indaga. “As pessoas falam de arte e pedofilia e tem crianças morrendo, a polícia entra nas favelas e mata as pessoas no caminho que os alunos passam para ir à escola. Nossa política é que é obscena. Como o Aécio Neves volta ao Senado? É muita hipocrisia e pouca lógica.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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