Num ano que está sendo muito rico em probabilidades de candidaturas masculinas para o Oscar – Joaquim Phoenix/Coringa, Brad Pitt/Ad Astra, Antonio Banderas/Dor e Glória, Christian Bale/Ford Vs. Ferrari, Anthony Hopkins e Jonathan Pryce/Dois Papas -, a contrapartida das mulheres no prêmio da Academia ainda parece um tanto confusa; Mas sempre existe Cate Blanchett. É magnífica no Richard Linklater que estreou na quinta-feira, 7. “Cadê Você, Bernadette?” está longe de ser uma unanimidade. No site Rotten Tomatoes, que avalia os filmes segundo o público e a crítica, a reação dominante é que Bernadette fica abaixo do que a soma de direção, roteiro e elenco poderiam autorizar. Em suma – o filme seria fraco, considerando-se os talentos envolvidos. É tudo uma questão de ponto de vista.

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Filmes como os da trilogia Antes (do Amanhecer, do Pôr-do-Sol, da Meia Noite) e também Boyhood – Da Infância à Juventude e Jovens, Loucos e Rebeldes – e sua sequência, Jovens, Loucos e Mais Rebeldes -, estabeleceram Linklater como cineasta do tempo. Ele gosta de analisar as transformações que o tempo opera nas pessoas, nos sentimentos, mas também de encarar os problemas que a passagem do tempo cria para o narrador que é. Um filme captado ao longo de 12 anos, personagens retomados a cada dez anos, jovens loucos e rebeldes que viram adultos sem rumo (mais rebeldes?) – o tempo e as pessoas dão o alimento da sua ficção. Bernadette pode muito bem ser o seu “Nós Que Nos Amávamos Tanto”, lembrando um pouco o clássico de Ettore Scola. Na entrevista que deu ao jornal O Estado de S. Paulo sobre a carta branca que lhe foi proposta pelo Instituto Moreira Salles, o distribuidor e exibidor Adhemar Oliveira citou Scola e disse que, de todos os filmes do autor italiano, Noi Che CEramo Tanto Amati, um de seus favoritos, foi, para sua tristeza, um dos que mais envelheceu, ou o que mais envelheceu.

Bernadette começa meio estranho, com a protagonista, Cate, conduzindo um caiaque num mar gelado. Não sabemos nada sobre ela, exceto que, para todo lado que olha, só vê gelo. Montes de gelo, a desolação da Antártida. Corte – meses antes. Cate, como Bernadette, tem um marido bem sucedido, e interpretado por Billy Crudup. Ele trabalha com novas tecnologias, o admirável mundo novo. Ela é rapidamente definida por seu comportamento antissocial. É agressiva com as mães dos colegas da filha na escola. Essa mulher foi uma arquiteta original e ousada, mas em, algum momento, por amor à filha, desistiu da carreira. Virou o que é. E agora, rotulada de louca – veja para saber como e por quê? -, ela terá de se reinventar. Pegando carona em outro título de Scola – conseguirá nossa heroína? Bernadette não parece original como outros filmes de Linklater, mas, no momento em que você entra no clima, a conversa pode ficar muito interessante. Justamente, a conversa.

Como na série Antes, esse é um filme de diálogo. O que as pessoas dizem, e principalmente o que calam, mas termina por irromper. Acuada, Cate buscará socorro na figura mais improvável, a mulher com mais motivos para odiá-la, mas que vai revelar uma compreensão humana muito grande de seus problemas. Para arquitetos – estudantes, profissionais -, o filme terá um encanto todo especial. De Los Angeles, onde floresceu seu gênio, a Seattle, onde se enterrou, Bernadette vive a arquitetura, discute a arquitetura e o espaço urbano termina por ser personagem como o marido, a filha, a família, os vizinhos. E essa história de disfunção – pessoal? – leva à Antártida, a um mundo de gelo que equivale a uma crítica às relações que vão esfriando. Exceto pelo fato de que ainda há fogo sob as cinzas.

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Bernadette não teve boas críticas na ‘América’, Cate talvez nem termine indo para o Oscar. Pior para a Academia. O filme é ótimo. Ela interpreta essa personagem intensa, rica em nuances, como se Bernadette fosse uma segunda pele. Não apenas ela – Billy Crudup tem aqui um daqueles papéis para os quais foi talhado, e que Hollywood reluta em lhe dar. Dane-se Rotten Tomatoes. Linklater, mais uma vez, acertou a mão. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.