Legião Urbana solta a fúria em CD duplo

Renato Russo foi um dos mais carismáticos ídolos do rock pátrio. Um verdadeiro culto messiânico cercava a Legião Urbana e principalmente aquele vocalista magro e tímido que, no palco, se transmutava numa figura elétrica que dançava de maneira esquizofrênica, emitindo palavras de ordem do tipo “Não é legal a gente deixar que eles tomem conta das nossas vidas. Quem tem que tomar conta da vida da gente somos nós” e ainda “não pode existir guerra santa. Isso é uma contradição em termos”.

Era uma fúria santa e pagã que fez Renato ultrapassar os limites do estrelato no rock para se tornar uma espécie de Messias carregado de uma aura mística que só Raul Seixas teve antes dele no rock brasileiro, por coincidência tratando de temas parecidos, que incluíam política, misticismo e comportamento. O mote “faz o que tu queres, há de ser tudo da lei”, de Raul, encaixa perfeitamente na figura de Renato.

O novo CD duplo ao vivo da Legião, “As quatro estações ao vivo” (EMI), foi produzido com material de dois shows no Parque Antarctica, em São Paulo, nos dias 11 e 12 de agosto de 1990 pra quase 100 mil pessoas, na turnê do disco mais popular da Legião Urbana. Recordações de quem viu Renato ao vivo e sentiu o impacto de sua presença, que pode ser sentida no CD pela reação da platéia, que ele rege ao longo do show e que lhe obedece docilmente.

Renato era descuidado com as roupas, vestia uma calça qualquer, um sapato idem, uma blusa de abotoar qualquer nota, suava para caramba, saía do palco completamente ensopado e muito feliz quando as coisas corriam bem, abraçando os conhecidos com uma alegria infantil, revigorado pela energia que o público lhe dava nas duas horas de show. Era uma catarse para os dois lados.

Uma hora ele está cantando ”1965 (Duas tribos)”, daí interrompe quando ia cantar o verso “o Brasil é o país do futuro”: “Não adianta, não ‘tou conseguindo. É difícil. Quem é que votou aqui para presidente? Quem é que ficou satisfeito com o resultado? Um dia a gente vai ter a nossa vez, gente. Talvez não seja agora. Eles gastam mais dinheiro com propaganda do que comprando comida para quem precisa,” vocifera ele num desabafo com endereço certo: a eleição do presidente Fernando Collor de Mello, que deu no que deu.

Alguns lançamentos são discutíveis, como o disco “Presente”, que pouca coisa tinha de aproveitável e coletâneas redundantes como “O talento de Renato Russo”, que sai dia 20 de abril com uma mistura de canções em italiano e inglês. Mas isso não pode ser dito dos discos ao vivo. “Como se diz eu te amo”, o duplo lançado em 2001 e este “Quatro estações ao vivo” são registros preciosos de uma banda que não freqüentou a estrada como devia. Renato se retraiu um período, entrando na sua trip auto-destrutiva Gretagarbiana – “I want to be alone” – e o grupo não tocou quanto devia.

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