Havia espectadores de joelhos, à espera de que suas preces fossem, enfim, atendidas e o mais clássico dos filmes noir – o mais noir dos filmes clássicos -, "Laura", de Otto Preminger, de 1944, fosse lançado em DVD no Brasil. Se não exatamente o Senhor, a cúpula da Fox ouviu as orações e resolveu atendê-las. Chega finalmente, na Coleção Fox Classics, um dos filmes mais cultuados da história do cinema. "Laura" vem carregado de extras. Entrevistas, documentários, comentários, o filme tem até começo (não fim) alternativo. Tantos extras vão fazer a delícia dos colecionadores, mas o melhor é mesmo o filme, com sua estrela imortal, Gene Tierney. "Laura" pode ter circulado em cópias piratas, mas nunca teve lançamento oficial no País, nem em vídeo.

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No novo filme de Nelson Pereira dos Santos, "Brasília 18%", Carlos Alberto Riccelli faz o legista contratado para fazer a autópsia de uma mulher suspeita de assassinato por suas denúncias da corrupção na política. Originalmente, era um investigador, mas Nelson mudou o próprio roteiro. Riccelli adormece no necrotério. Surge aquela mulher, bela e nua, supostamente a vítima. Ele acorda sobressaltado. Terá sido real? Foi sonho? É uma reminiscência de "Laura".

Contratado para investigar o desaparecimento (e suposto assassinato) de uma socialite nova-iorquina, o detetive Mark McPherson (Dana Andrews) fica fascinado pela figura de mulher que o olha do quadro que domina a decoração da sala de um apartamento elegante, em Manhattan. Ele também adormece. Abre os olhos e Laura, a magnífica Gene, está diante dele. Todo cinema noir está concentrado neste filme – um universo de aparências e de sombras, o policial que investiga, a mulher fatal.

O vienense Otto Preminger (1906-1986) trabalhou com o lendário Max Reinhardt, depois de estudar filosofia e direito. Emigrado para os EUA, foi parar na Broadway e, depois, em Hollywood. Contratado pela Fox para produzir "Laura", não concordou com a orientação que o diretor Rouben Mamoulian vinha dando à adaptação da história de Vera Caspary e assumiu seu lugar. Como escreveu Henri Agel, "essa obra envolvente é, nas suas profundezas, a estranha reflexão de um europeu sobre Hollywood". A sombra de Laura desdobra-se por outros filmes de Preminger, incluindo a derradeira obra-prima do diretor, "Bunny Lake Desapareceu", de 1965. Muitos críticos sustentam que o apogeu de Preminger foi também o do filme noir. Pode ser, mas ele foi além. Desafiou a censura dos estúdios e abordou temas polêmicos. Realizou grandes filmes sobre o conflito entre o homem e as instituições políticas. Sua decadência foi rápida e desconcertante, mas permanece o emblema de filmes como "Laura", "Carmen Jones", "Tempestade sobre Washington", "O Cardeal" e "A Primeira Vitória".

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