Labirintos da Memória

A memória não está presa em algum lugar do passado: amarrada nas cordas escuras do balanço no quintal, ou fixa às sombras das antigas árvores. Ao contrário, é tempo presente. Pressupõe movimento permanente na direção óbvia de qualquer fresta, atendendo ao chamado ilusório de portas e janelas. Este é o sentimento que desperta a leitura das obras de Pedro Nava, autor de “Baú de Ossos”, “Balão Cativo”, “Chão de Ferro” e “Beira-Mar”, essencialmente memorialista que, juntamente com um grupo de modernistas de Minas Gerais fundou em 1925 “A Revista”, entre eles: Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura e João Alphonsus.

Por ocasião do centenário de nascimento de Pedro Nava e, com o propósito de resgatar e interpretar o intrincado sistema da trajetória de sua escritura, a Professora Edina Panichi, Doutora em Letras pela UNESP/Assis-SP e docente dos Cursos de Mestrado e Doutorado em Estudos da Linguagem e, o Professor Miguel L. Contani, Doutor em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, docente das disciplinas de Teoria da Comunicação, Teoria da Informação e Estética da Comunicação, ambos da Universidade Estadual de Londrina-PR, elaboraram “Pedro Nava e a Construção do Texto”, publicado pela Eduel-Editora da UEL em co-edição com a Ateliê Editorial. Ou seja, os autores se propõem a oferecer um panorama do percurso, extraindo ensinamentos da obra de Pedro Nava.

O trabalho tem como base os rascunhos do escritor, ou seja, dos esboços textuais que mostram todo o processo de criação de um livro, pois os autores tiveram acesso aos arquivos construídos por Nava. Este aspecto é algo singular. Pedro Nava era bastante metódico e empreendia o processo criativo em três momentos assim divididos: o primeiro pela organização de fichas, com anotações, recortes de jornais, reprodução de obras de arte e cartões postais de Belo Horizonte, além de desenhos ilustrativos e perfis dos amigos; o segundo momento refere-se ao que o autor denominou de “boneco”, o qual é constituído de roteiros dos capítulos a serem escritos, mapas, recortes de artigos, etc; o terceiro é a gênese textual propriamente, apresentada em uma folha de papel almaço composto de duas faces, a da esquerda, reservada ao texto batido à máquina, com correções a tinta, e a da direita, reservada aos acréscimos feitos à caneta, posteriormente à revisão, tudo isso ao lado de recortes de colagens de textos e de desenhos assinados por Nava. De acordo com os autores, o objetivo é desenvolver o processo de criação de Nava como recurso criativo capaz de ensinar a pensar e a escrever. Expõem o que denominam bastidores da criação, revelados através da “escrita frankenstein”, articulando o jogo do “médico e o monstro”, “criador e criatura”. Além disso, “descobriram que essa passagem do estado de arquivo para o estado de página escrita comportava um procedimento que poderia ser inferido e, se isso fosse feito, haveria a possibilidade de enunciar um método”.

A proposta inserida no trabalho dos professores Edina e Miguel, transporta o leitor para uma dimensão inusitada. Pois revela os meandros deste valioso instrumento do qual se serve o escritor para edificar sua obra. No caso de Pedro Nava, monumental, em termos de resgate e domínio do próprio tempo. Retrato pintado em letras, do Brasil de seus antepassados e de todos nós.

Maria Helena de Moura Arias

é jornalista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual de Londrina.

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