João Gilberto lança disco ao vivo gravado em Tóquio

Dez anos depois do desditoso Eu Sei Que Vou Te Amar, João Gilberto está de volta com outro disco ao vivo. A capa é branca e traz apenas o título em preto: João Gilberto in Tokyo (Universal). Mais minimalista impossível. E como João – que não lançava disco desde 2000 – vive de pôr o preto no branco, aqui está ele, acompanhado apenas de seu violão a depurar de novo os caros e eternos clássicos, sobre cujas harmonias, pressupõe-se, ele se debruça constantemente a aprimorá-las. O resultado é que, embora faça tudo de novo, nada é igual. Como os japoneses.

Loucos por bossa-nova, 20 mil deles pagaram US$ 100 (no câmbio negro o ingresso chegou a custar US$ 300) para ver os três shows que o cantor fez no Fórum Internacional de Tóquio, em setembro do ano passado. Os ingressos se esgotaram três meses antes e a bilheteria rendeu US$ 1,8 milhão. Eufóricos, foram saudados por João com um simpático kon-ban-wa (boa noite), registrado no CD. O que o disco deixou de fora, por razões mais do que sensatas, foram os 25 minutos de aplauso ininterrupto com que os fãs o devotaram. A mídia tratou o episódio como histórico.

O que antecedeu e se seguiu à ovação é daqueles babados propícios a alimentar o folclore em torno de João. Quem presenciou a cena garante que houve momentos de tensão. Estático no palco, sem mexer um músculo durante o tempo de palmas e depois histeria de um fã, o cantor esperava o fim dos aplausos para começar. Depois de um sinal positivo com a cabeça de que estava bem, cessaram-se as palmas e o show foi retomado.

O CD, co-produzido por João e pelo japonês Shigeki Miyata, fechou nos melhores momentos musicais. Das 15 faixas duas delas nunca haviam sido gravadas por ele: Acontece Que Eu Sou Baiano e Louco . Por motivos óbvios há uma predominância de canções de Tom Jobim e Dorival Caymmi. Nenhuma surpresa também no restante: Ary Barroso, Geraldo Pereira e Wilson Batista estão entre seus autores prediletos e já foram diversas vezes filtrados pela bossa do cantor.

Há temas da bossa-nova, Meditação e Este Seu Olhar, brilhantemente recriados, por quem, romântico, ainda acredita “no amor, no sorriso e na flor”. Como de hábito, nessas e noutras, João desliza por vieses harmônicos diferentes das versões anteriores, varia a entonação, altera compassos, improvisa com vocalises, etc. É natural que quem não se esmere em burilar detalhes técnicos desse tipo possa não ver diferença entre uma interpretação e outra. E a linearidade de certos momentos pode até tornar enfadonha uma audição menos atenta. Mas não há como negar que João parece não sofrer demais a ação do tempo que exige dele a capacidade de manter a afinação. O desafio é se mostrar tocando e cantando ainda mais bonito.

Dia 18, João volta ao lendário Carnegie Hall, em Nova York, como atração do JVC Jazz Festival. É a primeira das comemorações dos 40 anos de Getz/Gilberto, com o qual ambos ganharam o Grammy de melhor disco de 1964. “Doralice” está lá. Imprescindível.

As quinze faixas do novo disco:

1. Acontece Que Eu Sou Baiano (Dorival Caymmi); 2. Meditação (Tom Jobim e Newton Mendonça); 3. Doralice (Antônio Almeida e Dorival Caymmi);;4. Corcovado (Tom Jobim); Este Seu Olhar (Tom Jobim); Isto Aqui o Que É? (Ary Barroso) 7.Wave (Tom Jobim); Pra Que Discutir com Madame? (Janet de Almeida e Haroldo Barbosa);

9. Lígia (Tom Jobim); 10. Louco (Henrique de Almeida e Wilson Batista); 11. Bolinha de Papel (Geraldo Pereira);

12. Rosa Morena (Dorival Caymmi); 13. Adeus América (Geraldo Jaques e Haroldo Barbosa); 14. Preconceito (Marino Pinto e Wilson Batista); 15. Adeus América (Marino Pinto e Zé da Zilda).

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