Janete Clair, a maga das oito

Maga das Oito, Usineira de Sonhos, Nossa Senhora das Oito. Não importava o título que recebesse, Janete Clair fazia jus a todos eles. Em quase 30 anos de carreira na tevê, ela escreveu 21 novelas, 14 delas no horário que a consagraria. Entre outras façanhas, cativou o público masculino em Irmãos Coragem, alcançou históricos 100% de audiência em Selva de Pedra e mobilizou o País em torno do assassinato de Salomão Hayala em O Astro. No dia 16 de novembro, exatos 20 anos de sua morte, Janete é lembrada por fãs e amigos, como Daniel Filho, Francisco Cuoco e Glória Perez. “Ela sempre tinha uma história pronta na cabeça. Cabia a mim torná-la crível. O importante é que não tínhamos vergonha de fazer fantasia”, lembra o diretor Daniel Filho, parceiro de Janete em dez novelas.

A estréia de Janete na Globo, aliás, aconteceu por intermédio de Daniel. Ela foi chamada às pressas para “salvar” a novela Anastácia, A Mulher Sem Destino, escrita pelo ator Emiliano Queiroz -mais conhecido como o Dirceu Borboleta de O Bem-Amado, de Dias Gomes. A solução encontrada por ela ficou famosa. Janete apelou para um terremoto, que matou todos os personagens, exceto os quatro principais, responsáveis pelo desenvolvimento do novo enredo.

A trajetória de Janete, diga-se de passagem, está repleta de proezas. Algumas delas, ressalta o jornalista Mauro Ferreira, difíceis de serem superadas. Autor do livro Nossa Senhora das Oito, Mauro lembra que Janete escreveu sete novelas consecutivas e permaneceu no ar de 1967 a 73. “Depois de anos de trabalho ininterrupto, ela só tirou férias forçada e entregou o horário das oito, do qual tinha ciúmes, para Walther Negrão”, observa.

Mas as façanhas de Janete não param por aí. Em Selva de Pedra, Cristiano resolve se casar com Fernanda depois de acreditar que Simone morrera num acidente de carro. O que a autora não contava é que a censura consideraria o personagem de Francisco Cuoco bígamo se ele oficializasse a união. O jeito foi inutilizar os 22 capítulos já escritos e escrever outros sete num único final de semana. A solução, dessa vez, não foi tão drástica. Cristiano abandonou Fernanda no altar, desencadeando uma nova trama de vingança na história.

Memoráveis

Ao longo da carreira, Janete criou alguns dos personagens mais memoráveis da tevê brasileira. João Coragem, de Tarcísio Meira em Irmãos Coragem, e André Cajarana, de Tony Ramos em Pai Herói, são alguns deles. O maior privilegiado, porém, foi Francisco Cuoco, o predileto da autora. Além de Cristiano Vilhena, ele interpretou também o vidente Herculano Quintanilha em O Astro e o taxista Carlão em Pecado Capital. “É impressionante como as pessoas ainda lembram deles. Não há taxista que não fale do Carlão comigo”, confessa.

A morte de Carlão em Pecado Capital, vale ressaltar, foi meio contra a vontade da autora. A idéia, na verdade, partiu de Daniel Filho, que tinha certeza de que Carlão deveria morrer. Janete, porém, não concordava em matá-lo. Achava que os mocinhos não devem morrer e que isso poderia prejudicar a próxima novela porque o público ficaria decepcionado com o desfecho.

Dona de uma imaginação fértil, Janete Clair não se limitou a criar as próprias histórias. Muitas vezes, inspirou as novelas de outros autores. Foi isso que aconteceu em Jogo da Vida e Dancin? Days, escritas por Sílvio de Abreu e Gilberto Braga, respectivamente, a partir de idéias de Janete. “Sem dúvida, sou um discípulo assumido da Janete. O meu trabalho, ao menos nos meus bons momentos, é uma continuação do dela”, avalia o autor de Celebridade.

Durante toda a carreira, Janete nunca aprovou o sistema de parceria. Ela só aceitou escrever a quatro mãos uma única vez. E por exigência do então todo-poderoso da Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Quando Janete veio a falecer, em 16 de novembro de 1983, Glória Perez foi a responsável por concluir Eu Prometo. “Herdei da Janete um certo despudor ao escrever. Nunca tive medo da fantasia. Gosto de pegar temas aparentemente incríveis e torná-los críveis aos olhos do público”, ensina Glória.

Autora não era Janete nem Clair

– Janete Clair nasceu Jenete Stocco Emmer. O “Jenete” da certidão de nascimento foi fruto da pronúncia carregada do pai, o comerciante libanês Salim Emmer, ao ditar o nome para o escrivão. Já o “Clair” foi sugestão de Octavio Gabus Mendes, diretor da Rádio Difusora. Janete gostava tanto da sonata “Clair de Lune”, do compositor francês Claude Debussy, que Octavio encontrou na música o pseudônimo que procurava para batizá-la.

– No final de 1968, Janete começou a escrever Acorrentados para a TV Rio a pedido do diretor Daniel Filho. Demitido da Globo, Daniel lutava para comandar a programação da já decadente TV Rio. Paralelamente à trama, Janete escrevia os últimos capítulos de Passos dos Ventos e os primeiros de Rosa Rebelde, ambas na Globo. Conclusão: Janete esteve envolvida, simultaneamente, em três novelas.

– Em Véu de Noiva, Janete revolucionou a estrutura narrativa do gênero ao inventar o recurso das tramas paralelas. Até então, as novelas se limitavam a narrar a trajetória de um casal de protagonistas. Janete criou intrigas secundárias para agüentar o tranco de escrever um capítulo por dia durante seis meses.

– A autora Janete Clair e seu marido, Dias Gomes, protagonizaram um fato inédito em 1970. Como Dias escrevia Verão Vermelho para o horário das 22 h na Globo, na mesma época de Véu de Noiva, Janete teve a idéia de juntar a ação das duas novelas. Em busca de um tratamento para engravidar, a personagem Flor, interpretada por Myriam Pérsia em Véu de Noiva, foi consultar um médico na Bahia: o curandeiro vivido por Paulo Goulart em Verão Vermelho.

– Janete Clair nunca foi lá muito feliz na escolha do título de suas novelas. Muitas delas tiveram os títulos originais alterados pelo diretor Daniel Filho. Assim, O Bruxo virou O Astro, A Sensitiva, Sétimo Sentido; O Medo, Pecado Capital; Cidade Vazia, Fogo Sobre Terra e O Homem Perfeito, Eu Prometo.

Voltar ao topo