Jack, o Estripador, seria alemão

Em 1888, um assassino aterrorizou Londres. Matou cinco prostitutas e retalhou seus corpos, retirando vísceras, úteros, genitais e membros. Ele ficou conhecido como Jack, o Estripador, e nunca foi apanhado. Ficou tão famoso no mundo todo que até hoje se usa uma piada inspirada nos seus crimes: “Como diria Jack, o Estripador, vamos por partes…”

Uma milionária escritora de livros policiais, a americana Patricia Cornwell, de 47 anos, “mãe” de uma personagem detetive-legista, Kay Scarpetta, e criadora do Instituto de Ciência e Medicina Forense da Virgínia (EUA), resolveu investigar aquela série de crimes, 114 anos depois. O resultado é um livro-bomba: Retrato de Um Assassino – Jack O Estripador – Caso Encerrado, lançado no ano passado na Inglaterra e que chega agora às livrarias brasileiras, em lançamento da Companhia das Letras.

No livro, Patricia incrimina um famoso pintor impressionista alemão, Walter Sickert, e afirma categoricamente que ele foi o assassino. Suas principais evidências:

1) um teste de DNA mitocondrial numa carta enviada por Sickert continha o mesmo DNA das cartas que o assassino enviava à polícia;

2) o assassino demonstrava domínio de técnicas de pintura ao escrever cartas com pincel, e uma vez traiu-se, usando o mesmo pseudônimo de Sickert como ator, Mr. Nobody (Sr. Ninguém);

3) Walter Sickert desenhava no livro de hóspedes na Pensão Lizard, onde vivia na Cornualha, e os desenhos batem com os que Jack fazia em suas cartas;

4) As iniciais que Sickert usava em sua correspondência eram grafadas muitas vezes de forma idêntica às de Jack.

Há dezenas de outras evidências levantadas por Patricia. A escritora falou à reportagem na quinta-feira, por telefone, depois de um mês de tentativas. Disse que deverá publicar um novo livro em novembro de 2004, mas estará de novo “confortavelmente” entregue à ficção. O labirinto dos crimes reais a deixaram extenuada, conta. A seguir, leia a entrevista na íntegra.

Casos antigos estavam esquecidos

Como a senhora teve a idéia de revisar o caso de Jack, o Estripador?

Patricia Cornwell – Foi algo absolutamente inesperado. Algumas anos atrás, eu estava em Londres e encontrei um famoso investigador da Scotland Yard. Conversávamos e eu perguntei a ele se crimes centenários, como os de Jack, já haviam sido investigados sob a luz da ciência, com os métodos modernos de investigação. Ele disse que não, que nunca mais se reexaminou o caso. Então eu comecei a investigar e montei uma equipe de especialistas para me ajudar. Você sabe, sou uma repórter investigativa, já trabalhei em inúmeros casos anteriormente para a TV nos Estados Unidos, antes de me tornar escritora de livros policiais.

A senhora sabe que arruinou a reputação de um artista renomado, Walter Sickert. Como a família dele reagiu?

Patricia – Não tive problemas jurídicos, mas a reação foi muito negativa. A família se recusou a colaborar, impediu a publicação de pinturas, retratos e cartas. De certa forma, é compreensível. Ninguém gosta de ter um parente, de um dia para o outro, apontado como um serial killer. Mas eu não arruinei a reputação de Sickert. Foi ele mesmo quem a arruinou, quando decidiu matar aquelas mulheres. Eu não acusei ninguém, apenas demonstrei que ele era o assassino.

Jack, o Estripador, é hoje um personagem tão famoso quanto Drácula ou Dr. Jekyll. Por que a senhora acha que ele exerce tanto fascínio ainda hoje?

Patricia – É verdade. Acontece que Walter Sickert começou tentando ser um ator. Ele criou essa abordagem teatral de maneira muito cuidadosa, por meio de cartas escritas para jornais e para a polícia, e na forma de tratar a cena do crime. Ele criou o mito como se criasse um personagem teatral, operístico. Há também o fato de que os crimes foram realmente chocantes, assassinatos bárbaros. Jack se orgulhava dos seus crimes, demonstrava grande prazer e excitação em cometê-los, e a opinião pública pareceu entender isso.

A senhora também se debruçou sobre as pinturas de Jack. O que acha dele como pintor?

Patricia – Ele é um artista brilhante. É muito respeitado por seus contemporâneos e pela crítica. Mas eu jamais penduraria um quadro dele na minha parede. Seu trabalho é sombrio, violento, mórbido. Parte de sua atração é essa morbidez, mas não funciona comigo. Há um quadro dele extremamente perturbador, que mostra um buraco negro numa parede. São belas pinturas, mas perturbam.

O escritor inglês Alan Moore escreveu Do Inferno, livro no qual defende a tese de que Jack foi William Gull, o médico da família real. O que a senhora achou dessa tese?

Patricia – É apenas uma teoria, do tipo conspiratória. Todas as versões são teorias, porque nenhuma delas partiu de uma investigação séria. Não havia evidências físicas. E aquela história de ele (o médico William Gull) andar por Whitechapel numa carruagem, aquilo é extremamente inverossímil. Teria sido visto, haveria testemunhas. Era um homem velho, tinha muitos afazeres como médico. Não é crível. Sickert, além de tudo, era um homem jovem, tinha 28 anos naquela época, e era um nadador, fazia cultura física. Dominava as mulheres com facilidade. Mas eu não fui atrás de teorias, fui atrás de evidências. Jack escreveu cartas, a maioria delas cheias de orgulho, descuidadas. Queria provar que tinha matado, queria mostrar seus feitos.

A senhora pretende se dedicar de novo a algum caso real como esse?

Patricia – Sabia que ia me perguntar isso. A resposta é não. Gastei muito tempo de minha vida viajando pela Inglaterra, pesquisando. Sobretudo, gastei muito dinheiro e nunca tive uma folga durante esse período. Agora quero viajar, fazer as coisas que queria há muito tempo. Quem sabe até conhecer o Brasil, que ainda não conheço? Mas nunca digo nunca. Quem sabe?

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