Histórias que o vento levou

A história da televisão brasileira guarda novelas, minisséries e seriados que ninguém viu. Mas não por falta de audiência. Nos bastidores das emissoras, diversas obras permanecem inéditas – são sinopses, textos, capítulos gravados ou até editados que jamais foram ao ar. Os motivos alegados são diversos. E os verdadeiros, quase nunca explicitados.

Em alguns casos, fica claro que os temas abordados não são muito palatáveis. Como em “Celebridades”, trama de Gilberto Braga que substituiria “Esperança” na Globo. Com uma crítica à celebrização instantânea e à busca desenfreada pela fama, a história questionaria, ainda que indiretamente, o formato dos “reality-shows”, no qual a emissora tem investido. Mas a justificativa foi outra. “Era uma história dura. Acho que eles queriam algo mais otimista”, supõe Sérgio Marques, co-autor de Gilberto nos últimos 12 anos.

Em 1982, não houve dúvidas quanto à desistência da exibição de “Vargas”. A emissora deixou claro que a minissérie de Dias Gomes e Ferreira Gullar poderia favorecer a candidatura de Leonel Brizola ao governo do estado do Rio de Janeiro. Mas o problema parece não ter sido apenas temporário. Pouco depois da morte de Dias, em 1999, Ferreira foi incumbido de atualizar a obra. Mais uma vez, ela acabou não indo ao ar. “De repente paira um silêncio total. Aliás, uma das características da Globo é esta”, avalia o autor.

Questão de fomar

Existem casos em que é a condução da história que parece não agradar. Depois de já aprovada a sinopse, o texto final acaba sendo recusado. Foi o caso da minissérie “Terra do Sol”, escrita por Doc Comparato e Antônio Torres. “Quando o Doc me disse que eu trazia uma riqueza de diálogos que a tevê não tinha, comecei a ficar preocupado”, brinca Antônio, que é escritor e adorou a primeira experiência na tevê, apesar do ineditismo da obra. Outra que chegou a ter a sinopse aprovada foi “Escândalo”, novela de Miguel Falabella que tinha até data de estréia antes de ser adiada, em 1999. Co-autor da trama, Aloísio de Abreu lembra que trabalhou por dois meses no texto. “Na televisão você tem de saber lidar com o imponderável”, conforma-se Aloísio, que é roteirista da Globo.

No caso da idéia de atualizar o seriado “Carga Pesada”, exibido durante a década de 70 na Globo, o imponderável foi a morte do diretor Paulo Ubiratan, em 1999. Ele chegou a reunir o autor, Aguinaldo Silva, e os atores, Antônio Fagundes e Stênio Garcia, para reviver a dupla de caminhoneiros Pedro e Bino. Mas, depois de sua morte, o projeto não andou mais, embora o diretor Marcos Paulo já tenha demonstrado interesse por ele. “Quando um projeto pára, você abre a gaveta, joga lá dentro e esquece”, ensina Aguinaldo.

É o que costuma fazer Marcílio Moraes, autor de “Sonho Meu”, exibida em 1993, e co-autor de obras como “Chiquinha Gonzaga”, de 1999. Para ele, o adiamento de uma produção é o primeiro sinal de alerta. “Adiou, adeus”, diverte-se o autor, que calcula ter cerca de 10 projetos à espera de uma decisão da Globo.

Nem sempre, no entanto, a decisão final é da emissora. Com estréia prevista para 1993 na extinta Manchete, “O Marajá” foi vetada pela Justiça, que acatou um pedido dos advogados do ex-presidente Fernando Collor. Misturando jornalismo e ficção, a trama de José Louzeiro já tinha 50 capítulos gravados e abordava a trajetória do político alagoano. O diretor da novela, Marcos Schetchman, que à época era também diretor de teledramaturgia da emissora, lembra que as gravações duraram quatro meses e a proibição só chegou no dia da estréia. “Nós esperamos até a última hora por uma liminar. Só a expectativa da estréia deu à emissora 20 pontos no Ibope”, assegura Marcos, que foi um dos diretores de “O Clone”.

Mais inusitado, no entanto, foi o fim de “Terra Nostra 2”. A continuação da saga de Giulliana e Mateo foi descartada pelo próprio autor, Benedito Ruy Barbosa, que afirma estar sempre muito à vontade na Globo para tomar suas decisões. “A história já deu o que tinha que dar”, sentencia. A emissora americana Telemundo, voltada para o público hispânico dos Estados Unidos, parece discordar. Lá, “Esperança” foi rebatizada de “Terra Nostra 2” e deve estrear ainda esse mês.

Assunto indigesto

A achar ser fato corriqueiro a rejeição das emissoras a sinopses ou projetos. “É uma coisa que eu encaro com naturalidade, mas sem prazer, é claro”, resume Sérgio Marques. Há autores, no entanto, que não aceitam sequer falar sobre seus trabalhos “engavetados”. É o caso de Mauro Rasi, que teve cancelado o semanal “As Tias do Mauro”, da Globo, mesmo após anúncios sobre a atração, em 1997.

Quem também não fala sobre o veto da Globo é Gilberto Braga. Fora do ar desde “A Força de Um Desejo”, de 1999, ele não quer comentar o assunto “Celebridades”. “Não tenho interesse em falar disso”, finaliza o autor.

Autora de “A Muralha”, Maria Adelaide Amaral viu “adiada” sua novela “A Dança da Vida”, que entraria depois de “Coração de Estudante”. Inicialmente classificada pelo Ministério da Justiça como imprópria para menores de 14 anos, a novela acabou substituída por “Sabor da Paixão”, de Ana Maria Moretzsohn. Mas ela também não comenta o fato. “O meu lema é: para frente é que se olha”, encerra.

Muitas idas e vindas

Em 1975, a Censura Federal proibiu a exibição de “Roque Santeiro”, de Dias Gomes. Dez anos depois, uma nova versão da novela se transformou no maior sucesso da tevê brasileira até hoje.

Concebido como um seriado dominical, “Os Três Mosqueteiros” acabou virando especial de fim de ano, exibido em 1999 na Globo. Idelizador do projeto, Pedro Vasconcelos admite que o orçamento era muito alto para uma produção semanal.

Segundo Guto Franco, um dos autores do “sitcom” “Meu Cunhado”, Sílvio Santos está aguardando o melhor momento para levá-lo ao ar no SBT. O programa, estrelado por Moacyr Franco e Ronald Golias, está em produção há quase dois anos.

“Batalha de Arroz Num Ringue Para Dois”, o semanal estrelado por Miguel Falabella e Cláudia Jimenez, deveria ter estreado em maio na Globo. Segundo Maria Carmem Barbosa, uma das autoras, o projeto está nas mãos de Jorge Fernando.

Voltar ao topo