Há personagens que são criados pelos seus próprios intérpretes

tv41.jpgTirar do papel os personagens imaginados pelos autores de tevê requer criatividade, inspiração e uma visão própria sobre o script. Neste sentido, todo ator tem um quê de criador quando interpreta as criaturas. Alguns, porém, vão além e criam eles mesmos os tipos que pretendem fazer.

Essa situação, tradicionalmente, é mais comum no humor. E começou junto com a tevê, quando Chico Anysio transportou o Professor Raimundo, inventado por ele, do rádio para a tevê, nos anos 50. Hoje, atrizes como Heloísa Périssé, Ingrid Guimarães e Daniele Valente se dividem entre os refletores dos estúdios e o ?embate com as teclas do computador.? Crio desde criança, quando tinha meus amigos imaginários, diverte-se Heloísa, criadora da ?aborrescente? Tati e da Belinha, de Sob Nova Direção.

O que começou como brincadeira evoluiu para necessidade de expressão como atriz e, hoje, já pode ser encarado como prazer de escrever mesmo. Atualmente, além dos próprios personagens, Heloísa cria também para os outros, como roteirista do programa Zorra Total. O mesmo aconteceu com Daniele Valente, que começou a exibir suas crias com Efigênia, a gênia estagiária do mesmo humorístico. ?Ela nasceu da vontade que eu tinha de fazer algo para o público infantil, sempre muito carinhoso comigo?, justifica Daniele, que, logo depois, foi convidada para integrar um núcleo de autores de infantis na Globo.

Produção própria

Na maioria dos casos, no entanto, o grande prazer é mesmo dar voz aos próprios personagens. É o que fazem Gorete Milagres e Vida Vlat, criadoras das domésticas Filomena e Ofrásia, respectivamente. Em maio, Gorete comemora 11 anos de sua mais famosa personagem. Mas nem ela mesma sabe dizer quando Filó nasceu. ?Fui uma criança muito observadora. Meus avós tinham uma fazenda em Minas e lá havia muitas destas mulheres?, conta a atriz, que atualmente vive vários personagens no programa Charme, do SBT. Já Vida criou Ofrásia, que dá expediente no A Casa é Sua, a partir de uma personagem que fazia no teatro. A Luzinete era tímida e simplória. A Ofrásia tinha de ser enxerida, fofoqueira. Fiz as adaptações e decidi que elas seriam irmãs gêmeas, diverte-se Vida, que planeja levar Luzinete para uma visitinha à irmã no programa da Rede TV!

Para Ingrid Guimarães, criadora da Pit de Sob Nova Direção, o melhor é não correr o risco de ir por um lado e ver o autor indo por outro, completamente diferente. ?É mais fácil interpretar, porque sei da personagem mais que qualquer outra pessoa?, justifica a atriz, sem esquecer o bem-humorado lado negativo. ?Quando você cria, a culpa é toda sua, para o bem ou para o mal?, sentencia, aos risos. A maior quantidade de informações sobre o personagem é uma vantagem também para Selton Mello. O ator viveu pela primeira vez a experiência de participar do processo de escrita de um personagem seu em Os Aspones, quando se reuniu com Fernanda Young e Alexandre Machado. ?Quando fui gravar, era só colocar a roupa e fazer, porque eu já sabia ?qual era? a do Tales?, avalia.

Dividindo a paternidade

Há atores que não abrem mão de sua porção autoral, mesmo quando interpretam personagens de novelas, já bem-definidos pelos próprios autores. Além de gestos, expressões faciais e entonações – contribuições mais comuns dos atores ao tirar do papel os personagens, eles incluem expressões, frases e, às vezes, até trechos inteiros. Era o que acontecia, por exemplo, com Osmar Prado em O Clone. Sabendo do gosto do ator por interagir com as falas de seus personagens, a autora Glória Perez deixava a cargo dele os monólogos do alcoólatra Lobato diante de seu analista. ?O ator não deve ser um robô e sim um intérprete. Uso o texto como guia, mas depois me liberto dele e fico só com a essência?, justifica Osmar.

Inspiração da rua

José Wilker é outro que faz questão de inserir uns cacos. Dos vários atentados lingüísticos que criou para seu Giovanni Improta, de Senhora do Destino, muitos foram ouvidos nas ruas. Algumas sugestões são tão boas que levo direto para o estúdio, ressalta Wilker, citando o cor sim, cor não, cor sim, cor não, usado pelo ex-bicheiro para definir uma gravata listrada. Já Solange Couto, que até hoje ouve nas ruas o famoso ?né brinquedo, não? de Dona Jura, de O Clone, criou o bordão no momento de um genuíno desabafo no trânsito. A atriz estava dirigindo para o Projac, onde teria a primeira conversa com Glória sobre a personagem, quando foi fechada por outro carro e soltou a expressão. ?De onde veio, não sei. Acho que foi coisa do Espírito Santo?, brinca Solange, que no mesmo dia teve a idéia aceita pela autora.

Inspiração e retoques

# Fã de Jeannie é um Gênio, Daniele Valente estava fazendo faculdade de Comunicação Social quando resolveu criar sua gênia estagiária. ?Estágio era a palavra que eu mais ouvia na época. As idéias vieram naturalmente?, conta.

# Quando Heloísa Périssé e Ingrid Guimarães criaram Sob Nova Direção, cada uma construiu sua própria personagem, independentemente. ?Nossa única preocupação era que elas fossem bem opostas. Quando nos reunimos, mudamos algumas características que estavam muito parecidas?, explica Ingrid.

# Gorete Milagres está satisfeita por Sílvio Santos ter aberto um espaço para que ela apresente outros personagens no Charme. ?Fiquei muito estigmatizada como atriz de uma personagem só?.

?A Filó é muito forte e as pessoas não me davam a oportunidade de arriscar outras coisas?, pondera.

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