Há 40 anos estreava a primeira telenovela diária no Brasil

– “Alô”.

– “2-5499, bom dia”.

– “Perdoa-me, foi engano!”.

Este foi o diálogo inicial da novela que iria se transformar na primeira produção do gênero a ser mostrada diariamente no Brasil. O par romântico – que se conhece devido a uma ligação errada -era interpretado por Tarcísio Meira e Glória Menezes e a novela 2-5499 Ocupado, que a TV Excelsior começou a colocar no ar há 40 anos, em julho de 1963. Na verdade, quando estreou, a novela era exibida em São Paulo às segundas, quartas e sextas e a emissora enviava os videoteipes de 2-5499 Ocupado para as outras capitais. A Excelsior do Rio de Janeiro, em setembro de 1963, percebendo que poderia atrair mais publicidade e habituar o espectador a acompanhar a novela, resolveu arriscar e exibir a novela diariamente. Com isso, acabou abrindo caminho para o gênero ganhar mais público. “Tinha antipatia por novelas e aceitei fazer porque achei que não fossem assistir. Mas a novela repercutiu entre pessoas que não gostavam de teatro. Desde então aprendi que novela é imprevisível”, afirma Tarcísio Meira.

Mas a primeira novela diária a fazer sucesso no país foi O Direito de Nascer, em 1964, na TV Tupi, que tornou populares os personagens Mamãe Dolores, Albertinho Limonta e Maria Helena. Quem imperava no Brasil nesta época era mesmo Glória Magadan. A exilada cubana ficou conhecida por escrever dramalhões ambientados em países distantes do Brasil. Sua primeira novela na Globo foi O Sheik de Agadir, em 1966, com o “sheik” vivido por Henrique Martins e a mocinha interpretada por Yoná Magalhães. Mas Magadan era capaz de desatinos. Como matar o personagem de Sebastião Vasconcelos, só porque ele usava barba e bigode e parecia com Fidel Castro. “A Glória não destacava os costumes e as belezas do país. Isso só foi mudando aos poucos”, lembra Marieta Severo. A atriz estreou na novela aos 19 anos como uma vilã, a princesa árabe Eden de Bassora. A personagem de Marieta, na verdade, era o misterioso Rato, que durante toda a novela só mostrava as mãos enluvadas e cometia diversos assassinatos.

Descobrindo o Brasil

Foi com Beto Rockfeller que o brasileiro começou a se reconhecer nas tramas das novelas. A produção, exibida na TV Tupi em 1968, modificava o conteúdo habitual das novelas ao apostar em uma trama com situações e personagens bem brasileiros. Vivido por Luiz Gustavo, o protagonista se infiltra na alta sociedade paulistana para tentar subir na vida. No rastro de Beto, a Globo aposentou o estilo “Magadan” e passou a produzir tramas calcadas nos costumes brasileiros, sob a batuta de Janete Clair. A autora estreou na emissora com Véu de Noiva, em 1969, arrebatou o público com Irmãos Coragem, em 1970, e transformou a Globo em líder de audiência. Além de ambientar a trama de Irmãos Coragem em um garimpo de Goiás, Janete criou personagens bem populares para os irmãos vividos por Tarcísio Meira, Cláudio Cavalcante e Cláudio Marzo. “O incrível é que Irmãos Coragem falava de disputa de terras em plena repressão militar. Foi um avanço”, pondera Milton Gonçalves, que dirigiu Irmãos Coragem e é atualmente o ator com contrato mais antigo na Globo.

Já O Bem-Amado, em 1973, foi a primeira novela exibida em cores no Brasil. A trama de Dias Gomes enfocava o prefeito baiano Odorico Paraguaçu, papel de Paulo Gracindo, e a inauguração do cemitério de Sucupira. Foi a primeira novela brasileira a ser vendida para o exterior, começando pelo México e chegando a toda América Latina. “O Bem-Amado despertou a consciência política no brasileiro. Foi importante as pessoas terem recebido bem esta novela”, acredita Lima Duarte, que fez o inesquecível Zeca Diabo. Três anos depois, a Globo exibiu Escrava Isaura, adaptação de Gilberto Braga para romance de Bernardo Guimarães. Com a estreante Lucélia Santos como a escrava branca do título, a produção foi vendida para mais de cem países. “Até os monges do Himalaia já me reconheceram. Ninguém esperava que a novela brasileira chegasse tão longe”, afirma Lucélia.

Auge

De capítulo em capítulo, a novela diária se transformou no produto mais importante da televisão brasileira, ganhou projeção internacional e se tornou um símbolo de brasilidade em todo o mundo. Mas o auge do gênero aconteceu com Roque Santeiro, em 1985. A novela de Dias Gomes e Aguinaldo Silva fez o Brasil parar para acompanhar a história de Viúva Porcina e Sinhozinho Malta. Os dois últimos capítulos da trama tiveram inimagináveis 100% dos televisores do país sintonizados na novela, feito até então alcançado apenas por Selva de Pedra, em 1972. “Sucesso como o de Roque Santeiro não tem explicação e dificilmente acontece duas vezes”, avalia Aguinaldo. Em 1988, a Globo colocava no ar Vale Tudo, de Gilberto Braga, uma das mais ferozes críticas sociais ao Brasil e que levou o país a indagar “quem matou Odete Roithman?”, papel de Beatriz Seggal. “A novela questionava até que ponto valia ser honesto no Brasil”, relembra Gilberto.

Mas foi a extinta Manchete, com Pantanal, que provocou a terceira modificação importante nas novelas brasileiras. A novela de Benedito Ruy Barbosa contava a saga da família Leôncio, que se transformava em uma das grandes criadoras de gado da região pantaneira sul-matogrossense, e havia ficado oito anos na gaveta da Globo. “Antes as novelas só tinham 10% de externas. Pantanal inverteu esta ordem e mudou a maneira de se produzir novela no Brasil”, valoriza Benedito. Em 1997, a mesma Manchete transformou Taís Araújo na primeira protagonista negra de uma novela brasileira com Xica da Silva e no mesmo ano o SBT assustou a concorrência com a infantil Chiquititas, adaptada do original argentino. “Conquistamos um público que queria histórias mais tradicionais”, avalia a protagonista Flávia Monteiro.

Mas apenas a Globo chegou ao final da década de 90 com “know-how” e saúde financeira para realizar superproduções diárias. Terra Nostra, em 1999, virou uma espécie de continuação de Benedito Ruy Barbosa para a novela Os Imigrantes, exibida na Band em 1981, só que tratando apenas da imigração italiana. Na direção, Jayme Monjardim, o mesmo que em 2001 iria dar tratamento épico para O Clone, de Glória Perez, com gravações em Marrocos e uma trama inusitada que misturava clonagem, cultura árabe e a irreverência do subúrbio carioca. “Enquanto houver boas histórias e bons atores, o gênero novela nunca vai acabar no Brasil”, profetiza o diretor.

Marcos das novelas diárias

– Escrava Isaura estreou em 11 de outubro de 1976 na Globo e se transformou na produção brasileira de maior sucesso no exterior.

– Em julho de 1963 a TV Excelsior lançou 2-5499 Ocupado, que em setembro se tornaria a primeira novela diária brasileira.

– A TV Tupi começou a exibir Beto Rockfeller em 4 de novembro de 1968. Escrita por Bráulio Pedroso, a produção introduz personagens bem brasileiros na trama e renova o conteúdo das novelas.

– O estilo “faroeste cabloco” fez sucesso com Irmãos Coragem em 1970. A novela de Janete Clair reunia as duplas Tarcísio Meira/Glória Menezes e Regina Duarte/Cláudio Marzo.

– Em 24 de janeiro de 1973, a Globo lançou a primeira novela em cores: O Bem-Amado.

– Ao ser censurada, em 1975, Roque Santeiro foi substituída as pressas por um reprise de Selva de Pedra. A novela de Dias Gomes foi ao ar na Globo só em 1985 e se tornou um dos maiores sucessos do gênero.

– Animada pelo sucesso dos seriados juvenis americanos, a Globo estreou Malhação em 24 de abril de 1995. Em oito anos e mais de 2 mil capítulos, o elenco já foi “reciclado” algumas vezes e a academia de musculação que servia como cenário deu lugar a um colégio, mas trata-se da mais longa produção do gênero no Brasil.

Pioneiras que desapareceram

TV Excelsior – Pioneira na exibição das telenovelas diárias, a emissora entrou em crise no final da década de 60 e encerrou as suas atividades em 1971, agravada ainda mais por um incêndio. A última novela exibida na emissora foi Mais Forte do Que o Ódio, apresentada às 20h de abril a junho de 1970.

TV Tupi – A primeira emissora brasileira teve sua concessão cassada em 14 de julho de 1980. Como Salvar Meu Casamento, de Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi, foi a última telenovela exibida na emissora entre 26 de junho de 1979 a fevereiro de 1980. A produção protagonizada por Nicette Bruno saiu do ar sem apresentar o final da história.

Rede Manchete – Após renovar a linguagem das telenovelas com Pantanal, em 1990, a emissora chega “capengando” ao final dos anos 90. Em 23 de outubro de 1998, a Manchete exibia o último capítulo de Brida, uma adaptação do romance de Paulo Coelho. Prevista para ter 180 capítulos, mal chegou ao 54.º e o final sequer foi gravado.

As mais longas

Redenção, do autor Raimundo Lopes, teve 596 capítulos. Produzida pela TV Excelsior de São Paulo e apresentada às 19h, a novela foi exibida entre 16 de maio de 1966 e 2 de maio de 1968. Francisco Cuoco interpretava o médico-protagonista.

O Machão, de Sérgio Jockyman, foi a segunda maior novela, com 371 capítulos. Produzida pela TV Tupi entre 5 de fevereiro de 1974 e 15 de abril de 1975 no horário das 20h30, a novela era protagonizada por Antônio Fagundes.

Os Imigrantes, de Benedito Ruy Barbosa, teve 333 capítulos é a terceira maior novela diária exibida no Brasil. A produção da TV Bandeirantes ficou no ar entre 27 de abril de 1981 e 4 de junho de 1982.

Quatro décadas de história

– O personagem Zeca Diabo, vivido por Lima Duarte, era para permanecer apenas cinco capítulos em O Bem-Amado. Mas o personagem ficou na trama, matou Odorico Paraguaçu e inaugurou o cemitério de Sucupira.

– A primeira novela com texto totalmente brasileiro para a tevê foi Ambição, de Ivani Ribeiro. Exibida em 1964 na TV Excelsior, a trama focalizava uma moça pobre que desejava ascender socialmente.

– As primeiras novelas da Globo foram Ilusões Perdidas, de Ênia Petri, e Rosinha do Sobrado, de Moysés Weltman, ambas exibidas em 1965.

– Para tentar “salvar” a novela Anastácia, A Mulher Sem Destino, em 1967, a Globo pediu “socorro” para Janete Clair. O autor Emiliano Queiroz não sabia mais como conduzir a trama e a autora solucionou o problema provocando um terremoto na ilha onde se passava a novela e eliminando a maioria dos personagens.

– Irmãos Coragem foi a maior novela escrita por Janete Clair. Exatos 328 capítulos, sendo a quarta maior do gênero no Brasil.

– Estúpido Cupido, de Mário Prata, foi a última novela em preto e branco no horário das 19h da Globo. Mas os dois últimos capítulos foram exibidos em cores, para mostrar o paradeiro dos personagens em 1977, quando acabava a novela.

– A Globo comemorou, em 1975, dez anos de produção de novelas e cinco na liderança da audiência com Gabriela, a primeira grande adaptação literária da emissora.

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