Gravadora lança CD com músicas e entrevista do saudoso Renato Russo

Este disco se chama Renato Russo presente por vários motivos, mas sobretudo pelo fato de Renato Russo ter conseguido, graças a seu incondicional talento, vencer as barreiras do chamado tempo cronológico. Conseguiu mater-se presente nas vidas de todos nós em detrimento dos calendários pendurados na parede como nos monitores dos computadores. Renato Russo não é apenas um artista que mora na lembrança de milhões de pessoas mas, até hoje, e, certamente, até sempre, será referência obrigatória quando o assunto for música popular brasileira contemporânea.

Renato Russo presente é o resultado final de um minucioso, detalhado e competente trabalho de pesquisa que Marcelo Fróes fez trabalhando em conjunto com a família Manfredini. Ao longo de dois anos, Fróes mergulhou no acervo pessoal guardado no apartamento onde Renato viveu seus últimos anos. O resultado é este disco surpreendente que mostra idéias, reflexões, rascunhos e sonhos de um artista que subverteu a fala da chamada “música dos jovens”. Renato Russo presente traz, ainda, os momentos mais emocionados das antológicas entrevistas que Renato Russo concedeu ao jornal International Magazine, em 1994, 95 e 96.

Quando o produtor e fotógrafo Maurício Valladares tocou pela primeira vez no Brasil a demotape da Legião Urbana em seu programa na Rádio Fluminense FM (por volta de 1983), todos sentimos que não só a banda, mas aquele compositor e cantor estavam “condenados” ao sucesso. Por quê? O Brasil estava entrando na fase de consolidação democrática, após décadas de ditadura, censura, mordaça, tortura. Lúcido, sagaz, genial, Renato Russo soube reverenciar sem ufanismo exacerbado a importância deste momento histórico para o Brasil, sem esquecer os chamados anos de chumbo descritos em tantas canções suas.

Além de uma preocupação crônica com a democracia nacional que gerou clássicos da Legião como Que país é esse? e muitos outros, Renato tinha a senha das angústias, dúvidas, caminhos e descaminhos, a essência das novas gerações, para quem dedicou seus toques, bombas, rosas, poemas, enfim, dirigiu a maior parte de sua obra à sensibilidade dos mais novos. Pela exuberância poética de suas letras, acabou atingindo outras faixas etárias que se renderam à qualidade, à autenticidade, à honestidade deste artista que estabeleceu com a sinceridade uma relação íntima, voraz e rara.

Contra a sua vontade, Renato Russo foi, é, e será cultuado por uma legião de fãs, ardorosos e fiéis fãs, que entopem a internet de sites, blogs e similares em homenagem a este homem que viveu intempestivamente cada segundo de sua breve, lamentavelmente breve, passagem por este planeta. Renato viveu temendo o messianismo histérico que costuma cercar os grandes líderes. Afinal, além de compositor, cantor e poeta, Renato Russo foi um líder de sua geração e cansou de ver olhos marejados, bocas gritando seu nome pedindo uma mensagem, uma luz, um caminho. “As pessoas que esperam salvadores da pátria estão muito mais perdidas do que se imagina (…). Tenho muito medo de que elas me confundam com um messias (…) Sou apenas um artista que diz o que pensa, o que sente, como, aliás, todo mundo deveria fazer”, me disse Renato num bate-pato que tivemos no backstage do Circo Voador nos anos 80.

Renato Russo presente é uma preciosidade à altura deste grande artista. Além do material raro e inédito, o encarte do disco mostra fotos raras do músico em seu apartamento e fragmentos de desenhos que ele fez. Além de minuciosa ficha técnica e textos que detalham a história de cada faixa do disco. Por mais que se fale, por mais que se explique, só ouvindo Renato Russo presente podemos sentir a potência de seu impacto.

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