Grant, um grande garoto

São Paulo

(AE) – Há filmes que possuem um encanto especial. Não vão entrar para a história por suas ousadias de linguagem e política, mas talvez entrem pela maneira despretensiosa como traçam retratos de gerações. Você pode comparar Um Grande Garoto, a melhor estréia de hoje, com O Diário de Bridget Jones, adaptado da série de Helen Fielding, embora seja mais lógico fazer a aproximação com Alta Fidelidade. Afinal, o garoto é primo-irmão do sujeito que, no filme de Stephen Frears, chegava à idade da razão mantendo o mesmo comportamento de adolescente e com uma séria dúvida em relação à vida: devia trocar a coleção de discos de vinil por CDs ou não? Oh, dúvida.

Ambos os filmes são adaptações de Nick Hornby e Hugh Grant, que estrela o Garoto, e é o objeto de desejo de Renée Zellwegger em Bridget Jones, o que permite fazer a ponte entre os três. Se você curtiu a história da trintona incapaz de manter suas resoluções de fim de ano (parar de fumar e de engordar, arranjar um namorado sério), vai se divertir mais ainda com o grande garoto Grant. Will, é seu nome no filme, chegou aos 30 (e tantos) anos sem fazer nada. Por nada, literalmente, entenda-se tudo. O personagem não precisa trabalhar para viver: o pai, compositor de um só sucesso, deixou-lhe o suficiente, em direitos autorais, para viver com conforto o resto da vida.

O herói, portanto, não gosta de trabalhar e essa é uma das características dos personagens de Nick Hornby. Outras características referem-se ao sexo. Gostam da coisa, mas, assim como a transição do vinil para o CD é difícil para eles, experimentam outra séria dificuldade: são incapazes de amar e também de viver sem amor. As primeiras cenas de Um Grande Garoto mostram um personagem perfeitamente vazio. Will não quer compromisso com nada nem com ninguém, nem com os amigos que querem que ele seja o padrinho de seu bebê. Cansado de ver mulheres chorando na hora da despedida, ele descobre um filão, fingindo que gosta de crianças: integra um grupo de pais e mães solteiros, no qual é fácil arranjar parceiras.

Bem, nem tanto. Will precisa fingir que tem um filho e tem a má sorte de ligar-se a uma mulher que tem uma amiga depressiva. Essa última tenta matar-se justamente no fim de semana em que Grant saiu com a pretendente a namorada e ela resolveu levar junto o filho da amiga. O envolvimento do herói termina sendo com o menino, Marcus, no qual ele consegue se enxergar, quando garoto. O menino tem problemas de rejeição na escola, sente-se responsável e também culpado por causa da mãe. Por meio dele, Grant vai descobrir que nenhum homem é uma ilha. Aliás, essa frase já rende, logo no começo, uma piada sobre Bon Jovi, pois Hornby é fissurado na cultura pop.

Escrito e dirigido por Paul e Chris Weitz, mais dois irmãos diretores que surgem no cinema americano – após os Coens, os Wachowskis e os Farrellys -, o filme se desenvolve em torno das duas histórias, a do trintão Will e a do garoto Marcus. É divertido e, por que não admitir, inteligente num território que parece ser o da banalidade, já que toda a idéia repousa na lição de vida que Will vai receber. O filme é bom, Hugh Grant é ótimo. Há tempos que ele vinha representando no piloto automático um certo tipo de jovem inglês. Aqui, redescobre o valor da sutileza. É um astro que, por uma vez, mostra que também é ator. As outras estréias de hoje são Jogo de Espiões, com Robert Redford e Brad Pitt e Cálculo Mortal, com Sandra Bullock e Ryan Gosling.

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