Fome e jornalismo científico

Desde a Antigüidade a alimentação é apontada por Hipócrates como a melhor medicina para evitar doenças. “Que o alimento seja teu remédio”, afirmava ele. “Tu és o que tu comes”, destaca a mensagem da macrobiótica na atualidade. Mas o alimento não está conseguindo ser essa força medicinal, ou porque a alimentação é quase inexistente para determinadas pessoas ou porque não é balanceada adequadamente ou porque não existe popularização da ciência e, portanto, falta informação alimentar.

Interface entre Ciência e Sociedade. Na visão de Caldas (1988), “a população não fica informada sequer do percurso do processo de produção da ciência. Não tendo consciência das transformações, não pode influenciar nas decisões políticas fundamentais para o uso do conhecimento científico”. E, como quase tudo o que ocorre na sociedade é influenciado pela Ciência (Dubos, 1972), é preciso que alguém trabalhe na interface entre ela e a sociedade: o jornalista científico.

Wilson da Costa Bueno, professor da USP, com doutorado em Jornalismo Científico, afirma que “o jornalista científico precisa (e esse é o problema mais sério) estar atualizado com os principais debates na sociedade e, particularmente, com os rumos da ciência e da tecnologia. Deve buscar fontes abalizadas, sem ignorar o saber popular, saber questionar, ser cético no sentido de perguntar sempre o que está por trás das descobertas e das invenções (A quem servem? Quem lucrará com elas?). O jornalista precisa agir politicamente porque a ciência e a tecnologia não são neutras. São mercadorias valiosas de que os poderosos lançam mão para subjugar os demais”.

Como explica Foucault (1999, p. 14 e 71), há um sistema de poder que barra e invalida o discurso e o saber dos não intelectuais. Isto implica que, se o saber popular não ocupa legitimidade não é porque seja errôneo ou “falso”, mas porque a “verdade” não existe fora do poder. E é em nome do conhecimento científico que as formas de “verdades” estabelecidas pela economia política se propagam como verdades.

O questionamento. “O jornalista científico, ao se deparar com o tema Combate à fome, deve assumir uma posição madura de não se deixar levar pelos interesses políticos e ideológicos e buscar fontes autorizadas para discuti-los amplamente. Por exemplo: de que fome estamos falando? Há a fome de quem come pouco ou nada e a fome de quem se alimenta mal”, enfatizou o professor Bueno.

O jornalista científico, no entanto, precisa questionar uma outra dimensão da fome. “É preciso abrir o tema porque a população, notadamente as crianças brasileiras (de classe média ou alta) se alimentam mal. Os números sobre os que passam fome precisam ser melhor trabalhados, as alternativas devem ser pensadas tanto politicamente como social e culturalmente (um país como o nosso tem problemas sérios de gostos alimentares) e talvez seja até um problema imaginar uma cesta básica que funcione a contento no Norte, Nordeste, Sul ou Centro-Oeste”. Fome é um assunto complexo, que deve ser discutido além do plano político: há especialistas em segurança alimentar, em nutrição, em cultura, complementou Bueno.

Ler o mundo, os textos e a mídia. O diálogo entre ciência e sociedade passa pela prática jornalística que “abrange três modalidades: opinativa, interpretativa e informativa, que não ocorrem em momentos estanques. “Toda matéria é um filtro. O jornalista escolhe informações, fontes, angulações, o próprio discurso, já que, ao enfrentar um assunto ou tema, tem opiniões e é, como todo cidadão, suscetível a influências. Em toda matéria, há informações (se possível, novas) e interpretações. Acho que o jornalismo científico, como uma modalidade do jornalismo, embora com suas peculiaridades, não foge disso”, explica Bueno. Esta é a “leitura” de mundo.

A leitura de livros e da mídia “é uma característica crítica para o jornalista científico porque é preciso acompanhar, pelo menos em tese, o que está acontecendo na fronteira do conhecimento. É preciso, em resumo, ler sobre história, filosofia e sociologia da ciência, sobre os temas que estão em debate, num dado momento, na sociedade, sobre novas tecnologias, que impactam profundamente o jornalismo e as ciências. Deve ser uma leitura variada e incluir não apenas os textos de ciência e tecnologia formais, como livros e teses, mas os próprios jornais, revistas, sites de internet e programas de rádio e televisão. O jornalista científico tem que estar a par da divulgação científica que se faz pelo menos em seu País”, enfatizou o professor Wilson, não esquecendo temas como a biodiversidade, as plantas medicinais, no contexto do saber popular.

Na visão deste doutor em jornalismo científico, “a missão do jornalista é tão ampla que se torna uma utopia alcançá-la por completo, já que o conhecimento é imenso e o trabalho é amplo. Não dá para descansar, fechar os olhos e ser ingênuo. Sou um idealista e acredito que o trabalho é importante para quem atua na área”.

Zélia Maria Bonamigo

é jornalista, especialista em Mídia e Despertar da Consciência Crítica, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná. E-mail:
zeliabonamigo@terra.com.br

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