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Folk, urbano, caipira, do morro, Chico Teixeira liga todos os sertanejos em álbum

Às vezes é só ele mesmo, o violão. Seis cordas libertas, sem bateria que as prenda ou piano que as confunda. Os mesmos poderes de uma orquestra, subindo e descendo as mesmas montanhas, conduzidas por duas mãos. Paul McCartney, que sempre soube puxar o fio do universo que terminava em uma grande canção, diz que é nele, no violão, que se faz o teste definitivo da força de uma música. Alguém já foi lá e cravou: “Toque tudo o que ouvir no violão. O que não ficar bom, não presta”.

Chico Teixeira não é Paul McCartney e, aparentemente, não quer ser, mas o álbum que acaba de lançar pela Kuarup coloca toda essa relação entre violões e canções em pauta. Ele faz uma redução de arranjos não exatamente para chegar ao violão cru, mas usa pequenas formações que fazem pular a todo tempo a beleza daquilo que escolhe para cantar. Chico tem uma voz de graves espaçosos que se esparramam, firmes até mais que a do pai, Renato Teixeira, guardadas as devidas cargas geracionais. Renato atingiu o estágio daqueles que não cantam mais com a voz, como lhe disse Elis Regina. Quem canta, ali, é a alma.

Há um espaço entre a música caipira e a música folk que parece ser o lugar encontrado por Chico para se acomodar. Um espaço curioso que transmite bem a vida do cantor, morador de uma casa espaçosa de quintal verde e sem fim na Serra da Cantareira, vizinho de Almir Sater, Sergio Reis, Zé Geraldo e toda uma comunidade que migrou para o bolsão verde da zona norte de São Paulo depois de ouvir Elis cantando que queria uma casa no campo. Ela mesma moraria com Cesar Camargo Mariano e os três filhos em uma morada de madeira na vizinhança.

Ao mesmo tempo que não é mais tão ingênuo quanto a música caipira toda formatada da escola tradicional, o ruralismo de Chico não cai na estridência do rock campestre dos finais de anos 1970, de Sá, Rodrix e Guarabira, ou do roqueiro bobdyliano vizinho, Zé Geraldo. É um folk urbano feito muitas vezes de aço, bem acabado, de poucos solos e com vozes pontuais de instrumentos de sopro. Ele fala sobre como chegou ao resultado de um álbum em que coloca clássicos brasileiros nessa linguagem, um disco batizado de Ciranda de Destinos, com uma capa ilustrada pela energia criativa inesgotável de Elifas Andreato. “Sou basicamente um compositor de música e letra, fazendo pesquisas do interior. Queria agora mostrar o lado intérprete de uma forma mais orgânica.”

Os violões da sala de casa abraçam o que tem pela frente, e Chico aproveita isso. O álbum começa com Bachianas Brasileiras n.º 2: O Trenzinho do Caipira, de Villa-Lobos. Gravada mil vezes, ela tem aqui uma linha tão singela de clarone, tocado por Marcio Werneck, que faz a revisita valer a pena. Menor, mais silenciosa, fica gigante. Correnteza, de Jobim e Luiz Bonfá, tem os mesmos efeitos, e há uma coragem aqui. Muitos artistas folk temem encostar em Jobim por sua maior dificuldade harmônica, como se muitos acordes tirassem a alma das canções simples (a bossa não seria folk não apenas porque não admite ser tocada por violões com cordas de aço, mas por um temor das inversões de acordes que João Gilberto fez o favor de aplicar a partir de 1959). Jobim, pode-se ouvir aqui nos violões de cristal, tinha em seu universalismo uma caipirice das mais genuínas, como se tivesse, de fato, nascido à beira de um riacho de areia.

Riacho de Areia, um domínio público adaptado por Frei Chico, tem a participação de Roberto Mendes e Renato Teixeira. É um canto tradicional criado em algum momento invisível da história por canoeiros do Rio Araçuaí, em Minas Gerais, que em geral só precisa de vozes e palmas das mãos, mas que, aqui, tem as cordas abafadas do violão de Roberto Mendes, esse bluesman do Recôncavo Baiano.

E o que não poderia caber em um disco de essência folk vai se acomodando. João Pacífico, de Cabocla Tereza, aparece com Três Nascentes, com violão e viola gravados por Almir Sater. E de Riachão, baiano de Cada Macaco no Seu Galho, é trazida Linda Morena, toada sertaneja de uma fase menos conhecida, anterior à do sambista. “Penso nele como em Martinho da Vila, com um samba muito próximo da roça, um samba de fazenda”, nomeia Chico. E a ideia de um projeto gravando Martinho da Vila (ou da Roça) com violas fica bem tentadora.

O pêndulo que coloca o disco em vários lugares ao mesmo tempo o leva de novo para cantos já conhecidos, como No Rancho Fundo, de Lamartine Babo e Ary Barroso, para, um pouco depois, trazer Cartola em As Rosas Não Falam. Antes, Negrinho do Pastoreio é um ponto acima de tudo. O violão de Yamandú Costa é poderoso, sua entrada coloca sempre os sentidos em prontidão por algo próximo a explodir, mas sua voz é pouco conhecida. Ele canta muito bem. Seu dueto com Chico tem algo de se ouvir emocionado. Há aqui um encontro de dois amigos antigos. “Eu tinha 16 anos quando o conheci, em uma época em que ele veio morar na Cantareira”, diz Chico. Do amigo Zé Geraldo, faz Rio Doce, lançada em 1980, uma de suas mais belas canções. E do pai Renato, aparece Nau Sertaneja, também de 1980, uma peça épica em todos os sentidos.

Enquanto o mundo grita para ser ouvido, Chico Teixeira, do alto de sua Serra, envia um alento. A Ciranda de Destinos que entrega não diz nunca aonde se pode chegar, mas deixa o caminho uma delícia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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