Fogo cruzado na Cidade de Deus

São Paulo – Cidade de Deus, o filme brasileiro que concorre ao Oscar de melhor produção estrangeira, é o centro de uma grande polêmica. O longa-metragem de Fernando Meirelles e Kátia Lund está sob uma tempestade de críticas de líderes comunitários e moradores da favela, que se sentem prejudicados pela forma como o lugar foi retratado e está sendo mostrado para o mundo.

Quem abre fogo é o rapper Alex Pereira Barboza, o MV Bill, respeitado como líder na região. No site Viva Favela (www.vivafavela.com.br), Bill publicou um ameaçador artigo intitulado A Bomba Vai Explodir, no qual promete que irá fazer revelações explosivas no próximo dia 6 de fevereiro, quando fará uma coletiva de imprensa. “Aviso: vou colocar todo mundo na bola. O mundo inteiro vai saber que esse filme não trouxe nada de bom para a favela, nem benefício social, nem moral, nem humano. O mundo vai saber que eles exploraram a imagem das crianças daqui”, diz no artigo.

Por e-mail, de Los Angeles, Fernando Meirelles se disse surpreso com o tom da nota de MV Bill, mas não com o conteúdo. “O Bill trabalhou comigo em Cidade dos Homens (série inspirada no filme e exibida na Globo) e seus clipes têm basicamente o mesmo tom de denúncia que tem o longa. Concordo com ele quando diz que o filme não trouxe nada de bom para a favela. Até hoje continuamos trabalhando com o elenco do filme, que inclui alguns moradores de Cidade de Deus, e montamos um escritório no Rio para ajudar esses atores a buscar caminhos para continuar a mostrar seu talento. Mas de fato fora isso acabamos nos envolvendo pouco com a comunidade como um todo, por não termos feito a maior parte do filme ali. As comunidades de Cidade Alta e Nova Sepetiba estiveram mais envolvidas no projeto”.

MV Bill adiantou que pretende dizer aos jornalistas que a comunidade exige respeito dos produtores e que, em princípio, seria justo se o bairro recebesse uma percentagem da bilheteria arrecadada. “Outros produtores fizeram isso. Mas cada situação tem sua realidade. Eles (os diretores) poderiam também pressionar o poder público a desenvolver projetos sérios para devolver a auto-estima dos moradores, que o filme prejudicou”.

Sobre o que pensa que o filme deveria ter feito para o bem da comunidade, respondeu: “O básico, irmão. Basta olhar para essas pessoas aqui e vocês vão descobrir. É natural no Brasil dar com uma mão e tirar com a outra. É hora de inverter um pouco. Vamos tirar com uma mão e dar com outra”.

Meirelles disse que por enquanto ainda não conversou sobre o assunto com Bill, mas que está disposto a debater, inclusive com os moradores da favela. “Nunca ninguém nos pediu coisa alguma, por isso minha surpresa. No que puder ajudar para criar algum benefício para a comunidade, é claro que o farei. Apóio integralmente a mobilização que o Bill vem fazendo, mesmo a produção fazendo o papel de vidraça”.

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