Filme para pais e filhos

É só um filme sobre peixes num recife de coral. Só? Graças à fantasia do cinema, Procurando Nemo, que estréia hoje no Brasil, consegue ser muito mais do que isso. Vestindo uma espalhafatosa camisa com motivos de peixes, John Lasseter explica o conceito do novo desenho da Disney-Pixar na suíte de um hotel de luxo em Los Angeles. Lasseter é o homem por trás dos grandes sucessos da Pixar, a empresa que desenvolveu um novo padrão para o desenho animado, trabalhando com computação gráfica. Toy Story 1 e 2, Vida de Inseto, Monstros S/A foram todos criados no computador, com tecnologia de ponta. Mas ainda faltava Nemo.

Los Angeles – “Tenho certeza de que este filme inaugura uma nova fase para a arte da animação digital”, diz Lasseter. Procurando Nemo passa-se quase todo no fundo do mar, tratando da odisséia de um pai que atravessa o oceano em busca do filho. A Pixar teve de desenvolver programas especiais de animação para colocar na tela o universo submarino, cheio de cor, movimento e perspectivas distorcidas pelo próprio efeito da água sobre criaturas e objetos.

A história de Nemo: é sobre isso que Lasseter está interessado em falar. “Nosso filme tem uma beleza de tirar o fôlego, mas eu tenho certeza que, se Nemo vai mexer com as pessoas do jeito que esperamos, não será tanto pela técnica, mas pela natureza da história e dos personagens. Para nós, da Pixar, é o que importa. A técnica é um instrumento valioso, mas não passa disso: um instrumento para as histórias que queremos contar.” Ele é pai de cinco filhos. “Desde que Andy me propôs o projeto, senti que era uma história com a qual podia me identificar e, como eu, milhões de espectadores em todo o mundo também poderiam identificar-se.”

Inspiração

“Andy” é Andrew Stanton, criador da história de Procurando Nemo. Ele tem crédito de co-diretor, dividindo a função com o animador Lee Unrich. Co-diretor de Vida de Inseto e co-roteirista dos quatro desenhos de longa-metragem anteriores da Pixar, Stanton trabalhou sem parar na última década. “Chegou um momento em que eu senti que estava negligenciando minha família. Tenho dois filhos, mas ainda tinha só um quando fui ao Marina Center, numa dessas tentativas que nós, pais, às vezes fazemos para mostrar aos filhos o quanto eles são importantes para nós. Olhava todos aqueles peixes, tão diversos, tão coloridos e ali mesmo comecei a esboçar o que viria a ser a história do filme. Meu filho estava encantado com aquele universo e eu pensei: por que não um filme sobre pai e filho? Por que não levar toda essa beleza para a tela, usando recursos de ponta de animação digital? Sabia que seria difícil, mas para nós, da Pixar, a dificuldade é sempre um estímulo.”

Fantasia

Uma fantasia, claro, mas baseada em coisas que são familiares para o público, principalmente se você for pai. “O amor de um pai pelo filho, a apreensão pelo primeiro dia de escola, são coisas que todos conseguem compreender, mesmo que, na aparência, seja só um filme sobre peixes, num recife de coral”, diz Lasseter, que tem o cargo de produtor-executivo de Nemo.

Mas ele não tem muita consciência do motivo pelo qual o personagem do peixinho se chama Nemo. Será em homenagem ao Capitão Nemo de 20 Mil Léguas Submarinas, de Jules Verne? “Pergunte a Andrew”, sugere. Andrew responde: “Sim, é claro, deve ter sido. O livro de Verne é sempre uma referência quando se fala em fundo do mar, mas havia também a sonoridade do nome, que me atraía e encantava”.

Equipe esmiuçou a vida marinha

Para contar a história de Nemo e seu pai, toda a equipe da Pixar – um batalhão de animadores, roteiristas e desenhistas de produção e de arte – soltou a imaginação. “A idéia do dentista me veio porque quando era pequeno ia a um dentista que tinha um aquário”, lembra Stanton. “Divertia-me olhando os peixinhos e aí vinha o momento terrível da obturação.” As referências levaram à criação de uma das vilãs mais originais da animação. Quando a sobrinha do dentista entra em cena, ouvem-se os acordes imortais de Bernard Herrmann para o clássico Psicose, de Alfred Hitchcock. A menina é uma psicopata tão perigosa quanto Norman Bates. “É uma brincadeira”, explica o diretor.

Brincadeira, imaginação, mas muita pesquisa, também. “Consultamos todo tipo de especialistas para que nossas informações sobre o fundo do mar fossem as mais acuradas possíveis, mesmo que Nemo seja, acima de tudo, uma fantasia.” Foi assim que foram surgindo os demais personagens. O peixe-palhaço, que precisa superar a covardia congênita, sua parceira de jornada, a peixinha desmemoriada. “É verdade: há peixes tropicais que não têm registro passado. Sua memória, se existe, dura alguns segundos”, diz Lasseter.

E, naturalmente, se é um filme sobre o fundo do mar, tem de ter tubarão. A imagem está no pôster, o tubarão ameaçador, mas você vai ter uma surpresa. Foram anos de preparação e, depois, de realização intensiva. Andrew Stanton acha que valeu a pena. Para justificá-lo, conta uma história: “Na première -o filme havia sido apresentado num shopping de Los Angeles, na véspera, para convidados -, um pai veio me dizer no fim: quando o filme terminou, meu filho me abraçou. Ele vai se esquecer disso, mas eu vou me lembrar para sempre da intensidade daquele abraço. Obrigado, guys.”

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