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Festival de Berlim concede Urso de Ouro para filme israelense ‘Synonymes’

Pode ser que Synonymes, o longa do israelense Nadav Lapid, que venceu o Urso de Ouro no sábado, 16, seja melhor em partes que no todo. Nesse sentido, o filme metaforiza o próprio festival. Quando é bom, Synonymes é ótimo, exatamente como a seleção da Berlinale deste ano, que teve coisas boas meio perdidas num conjunto ruim. Muita gente, na própria imprensa internacional, chegou a interpelar o diretor do evento, Dieter Kosslick, para saber por que Marighella, de Wagner Moura, passou na competição, mas sem concorrer. Kosslick deu respostas evasivas mas, dada a premiação do júri presidido por Juliette Binoche, é improvável que terminasse recompensado com algum Urso.

Os melhores filmes – Ondog, do chinês (mongol) Wang Quan’an; God Exists, Her Name Is Petrunya, da macedônia Teona Strugar Mitevska – não receberam nada, e o único reconhecimento que teve o segundo foi o prêmio do júri ecumênico. Algumas escolhas foram absurdas – o prêmio de melhor contribuição artística para a fotografia de Out Stealing Horses, de Hans Petter Moland, o de direção para a alemã Angela Schanelec, por I Was at Home, But. Havia interpretações melhores que as do casal chinês de So Long My Son, do chinês Wang Xiaoshuai – Wang Jingchun e Yong Mei -, mas, na partilha de prêmios, foi o que sobrou para o filme, que é importante e não poderia ser ignorado. Xiaoshuai encara as mudanças na China, como Nadav Lapid espelha Israel por meio de seu personagem expatriado. A Berlinale manteve a sua voltagem política.

Ao longo dos 17 anos, de 2002 a 2019, em que assinou a seleção, Dieter Kosslick fez de Berlim o grande termômetro para se avaliar o estado do mundo, mais até que os rumos do cinema – esses muitas vezes passavam ao largo da competição e estavam melhor espelhados nas mostras paralelas, como Panorama e Forum. Na manhã de sábado, ao apresentar os prêmios dos júris paralelos, Kosslick destacou a importância de manter os festivais – e tapetes vermelhos democráticos como o da Berlinale -, no momento em que o streaming ameaça mudar as estruturas de distribuição e exibição, a relação do público com os filmes. Kosslick fez uma bela homenagem ao ator Bruno Ganz, que morreu no sábado em Zurique, aos 77 anos. A homenagem repetiu-se na premiação, que começou com a imagem do ator no telão e o público do Palast, de pé, despedindo-se do Damiel de Asas do Desejo, de Wim Wenders, com um longo e caloroso aplauso.

De volta ao vencedor, Synonymes conta a história de um ex-soldado israelense expatriado em Paris. Yoav, interpretado pelo estreante Tom Mercier, que veio do teatro, possui uma presença cênica esplendorosa. Não tem problema nenhum em passar boa parte do tempo nu. Yoav abandonou Israel porque não aguentava mais sua herança cultural. Ser soldado num país em que o Estado está sempre em guerra – com os palestinos, com o mundo – mexeu com ele. Em Paris, onde busca recomeçar, Yoav torna-se protegido de um casal de franceses. É bom acrescentar que isso ocorre depois que ele é roubado e fica sem nada.

Seu objetivo é aprender francês, daí o título. Yoav está sempre consultando o dicionário, tentando se apropriar da língua. Ele arranja emprego de segurança no consulado, daí a contradição. Quando tenta se expressar em francês e manifesta preocupações com a alta cultura, ele parece um bicho acuado, pronto para o ataque. No seu aprendizado da França, não apenas da língua, Yoav experimenta emoções viscerais – faz strip-tease trepado na mesa de uma boate techno; posa nu para um artista perverso; ouve música clássica com sua benfeitora, e parece que a situação vai evoluindo para algo mais; e, como se estivesse tentando criar novas raízes, canta com paixão a Marseillaise. O prêmio de interpretação para Mercier teria sido suficiente.

Na noite de sexta, quando recebeu o prêmio da crítica, o diretor conversou com o repórter. Mais prêmios estavam por vir, mas quem poderia prever naquele momento? O júri atribuiu seu prêmio especial para By the Grace of God, de François Ozon, um filme que não se assemelha a nada que o diretor tenha feito antes. Num estilo austero, documentado mais que documentário, Ozon aborda um caso de pedofilia na Igreja de Lyon. Os três homens que denunciaram o padre que abusou deles – a história é real – “são meus heróis”, disse o diretor ao receber seu prêmio. E ainda houve o Urso de Prata para o roteiro de La Paranza dei Bambini. Subiram ao palco os três roteiristas, Maurizio Brausi, o diretor Claudio Giovannesi e o escritor Roberto Saviano, em cujo romance o livro é baseado. Fizeram duros ataques à política do governo italiano para os refugiados. Com 11 filmes em diferentes seções, o Brasil foi recompensado pela Anistia Internacional por um filme que aborda a violência do Estado contra os jovens – Espero Tua (re)Volta, de Eliza Capai.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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