Eventos lembram Jorge Luis Borges nos 30 anos de sua morte

Para os 30 anos de morte de Jorge Luis Borges, que se completam nesta terça, 14, a viúva, Maria Kodama, prometeu uma série de homenagens em várias partes do mundo. Talvez não saiba que uma delas ocorre aqui mesmo, no Brasil, e sob a forma de um filme. O cineasta Cristiano Burlan preparou Em Busca de Borges, um singelo e tocante documentário que será apresentado dia 17, às 21h, no Cinesesc, no Festival do Cinema Suíço.

E por que a Suíça? Ora, como se sabe, Borges escolheu Genebra para passar a fase final da vida, já na companhia de Maria Kodama. Tinha, com a cidade, uma relação estreita, pois lá vivera parte da juventude e, como gostava de dizer (e escrever), lhe parecia a cidade onde se podia ser mais feliz. Lá morreu, há exatos 30 anos, e lá está enterrado. Portanto, se o filme de Burlan é uma viagem, esta deve procurar os vestígios do escritor em especial em Genebra, mas passando também por Buenos Aires, Lausanne, Zurique e São Paulo, de onde parte o personagem (Henrique Zanoni) em busca de Borges.

De certa forma, o filme não busca “explicar” Borges, já que este encerra dose considerável de mistério em seus textos labirínticos e também em sua vida “sem acontecimentos”, como ele dizia. Borges pode ser objeto de estudos – e estes à uma distância de 30 anos de sua desaparição física – que se multiplicam como diante de um espelho de mil faces. Mas sempre sobra um resto por explicar, algo na sombra ou imerso no mistério. E, portanto, o filme a ele dedicado faz a paráfrase de um dos seus contos mais conhecidos, Em Busca de Almotássim, no qual o percurso parece muito mais significativo do que a chegada.

Ouvem-se pessoas, vai-se a livrarias, anda-se pelas ruas de uma Genebra gelada, mas a emoção maior é quando o acaso brinda o cineasta com uma cantora argentina, também ela no cemitério, diante da lápide de Borges. Este não desgostaria de ouvir a canção medieval para ele entoada na fria tarde suíça: Honte, Paour, Doubtance, de Guillaume de Machaut, ano 1370.

Borges mudou-se com sua família para a Suíça em 1914. Lá estudou, e depois os Borges foram para Madri, só regressando à Argentina em 1921.

Neto de avó inglesa, o escritor era fluente nessa língua. Sua longa vivência no exterior e o caráter universal dos contos que começou a escrever, estabeleceram a imagem de escritor cosmopolita e internacional. As duas obras talvez mais famosas, Ficciones (1944) e O Aleph (1949), ajudam a construir essa imagem. Seus temas são espelhos, labirintos, o tempo, o duplo. A linguagem límpida, clássica, à inglesa, também reforçava a estampa de “escritor do mundo”. O boom da literatura latino-americana, nos anos 1960, ajudou Borges a se tornar internacionalmente conhecido. No entanto, ao contrário do que acontecia com outros autores, como Gabriel García Márquez, Manuel Scorza e outros, sua prosa de Borges não era vinculada a regionalismos ou a exotismos. Soava europeia até a medula – o que não lhe valeu poucas críticas.

No entanto, sua conterrânea, a ensaísta Beatriz Sarlo, restabelece o quanto a literatura de Borges dialoga com certa argentinidade. Em Borges, un Escritor de las Orillas (aqui traduzido como Borges, um Escritor da Periferia), ela procura mostrar como a originalidade de Borges está em justamente se situar nessa borda (uma das traduções possíveis de “orilla”) entre o ser argentino e o ser de todo o mundo.

“Busco a figura bifronte de um escritor que foi, ao mesmo tempo, cosmopolita e nacional”, escreve. E que encontra sua voz universal ao situar-se nessa fímbria.

Em seu percurso pela obra borgiana, Sarlo mostra como o jovem escritor, ao voltar da Europa, busca recuperar sua cidade de nascença imaginada. Que não era mais aquela que ele reencontrava, mas a que conservava em sua memória. Assim, transfigurada, e em forma poética, ressurge a capital em Fervor de Buenos Aires. Este também é o Borges de contos como O Homem da Esquina Rosada e O Sul. O mundo dos cuchilleros, dos valentões de faca na mão. Ou dos escritores de periferia, como Evaristo Carriego, a quem dedica um dos seus ensaios.

Diferente de Tolstoi, para quem se deve cantar a aldeia para ser universal, Borges preferia ficar com um pé na argentinidade e outra no cosmopolitismo. E escrever desse fio de navalha a obra original que nos desafia até hoje.

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