Ensino médio no Brasil ganha maior análise já feita em pesquisa

São muitas as críticas e frustrações sobre a qualidade de ensino, as condições físicas da escola, o desinteresse dos alunos e a insatisfação dos professores do ensino médio no Brasil. Contudo, isso não é o bastante para abalar a credibilidade na escola e o apelo por maiores investimentos: nas escolas públicas e privadas, 17% dos alunos que abandonaram alguma vez a escola voltaram a estudar. Entre as razões estão: “para ser alguém na vida”, “para ser um cidadão” e “para conseguir trabalho”.

Essas e outras constatações fazem parte do livro “Ensino Médio: múltiplas vozes”, lançado às 9h30 de hoje (29/04/2003) pela UNESCO no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) em parceria com o Ministério da Educação (MEC), no Auditório do Ministério da Educação, em Brasília. A pesquisa foi coordenada por Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro.

O livro traz uma radiografia detalhada da atual situação do ensino médio no País. Mais do que isso: esmiúça desigualdades sociais várias entre tipos de escolas, como por exemplo entre escolas públicas e privadas e entre cursos diurnos e noturnos. Menciona também a heterogeneidade das situações entre as capitais brasileiras. Além disso, toca aspectos pouco explorados como, entre outros, a situação da infra-estrutura, os diferentes espaços físicos, como banheiros, pátios, salas, laboratórios, bibliotecas e quadras de esportes. São mencionadas situações dos recursos humanos e pedagógicos, indicadores do chamado fracasso escolar – como a reprovação e a repetência -; a extensão da exclusão digital, como professores e alunos refletem sobre a reforma do ensino médio em seu dia a dia e como se dão as relações sociais entre alunos e professores.

Trata-se da maior pesquisa já realizada sobre o assunto na América Latina. A pesquisa inova também por combinar o registro de fatos com opiniões, avaliações e percepções de professores e alunos. Apresenta tanto um quadro das críticas expressas pelos atores ouvidos, quanto suas vontades e expectativas, o que é traduzido em um elenco de propostas de políticas públicas para o ensino médio e para juventudes, destacando-se a importância do investimento nas escolas, nas condições de vida e trabalho dos professores e na qualidade de vida e ambiente escolar dos jovens.

A pesquisa foi realizada em 13 capitais brasileiras: Rio Branco, Macapá, Belém, Teresina, Maceió, Salvador, Cuiabá, Goiânia, Curitiba, Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. Todas essas capitais são concentrações urbanas onde se localiza a grande parte da matrícula no ensino médio.

A metodologia da pesquisa incluiu dois tipos de abordagens: a quantitativa e a qualitativa. Um total 50.740 alunos responderam questionários aplicados em 673 escolas, públicas e privadas. Como a amostra desses foi probabilística, os dados podem ser generalizados para o universo de alunos nas 13 capitais, ou seja, 1.271.364 alunos. Para a seleção de alunos do ensino médio foi utilizado o Censo Escolar 2000 (INEP/MEC). Cerca de 7.020 professores responderam questionários.

Já na abordagem qualitativa, feita por meio de grupos focais, entrevistas individuais semi-estruturadas e observações in loco, participaram cerca de 2.000 pessoas entre professores, diretores de escolas e supervisores/orientadores escolares de ensino médio. Com relação aos professores na abordagem quantitativa, a amostra é de caráter não probabilístico, ou seja, não está sujeita a inferências e generalizações para o total da população de professores nas capitais pesquisadas.

Pontos relevantes da pesquisa:

* A idade média dos alunos é de 19 anos, sendo que mais de 50% tendem a se concentrar na faixa entre 16 a 17 anos, nas 13 cidades focalizadas. Em oito capitais, mais de 20% dos alunos têm 20 anos de idade ou mais. Os alunos mais velhos concentram-se no período noturno.

* Mais da metade dos alunos de ensino médio não têm acesso a computador em suas residências. A exclusão digital é mais perversa para os alunos de escola pública. Na maioria das capitais, enquanto mais de 60% dos alunos das escolas privadas declaram ter computador, nas escolas públicas a tendência é que apenas 20% tenham.

* Assim como no universo de alunos, há um maior número de docentes do sexo feminino entre os professores pesquisados.

* A maior parte dos professores de ensino médio pesquisados encontra-se na faixa etária de 30 a 49 anos (cerca de 60%), sendo também expressivo o fato de que cerca de um terço dos professores tenha menos de 29 anos (21%).

* Em muitas cidades chega a mais de 40% a proporção de professores que não têm computadores em suas residências, tendendo estes a estarem mais representados nas escolas públicas. Em muitas cidades, particularmente em escolas públicas, os professores não usam computadores na escola (cerca de 30% dos casos), variando conforme as capitais pesquisadas o estado de exclusão digital entre 16,9% em Curitiba a 62,1% em Goiânia.

* A grande maioria dos professores pesquisados tem como formação a licenciatura (cerca de 60%). Aproximadamente um terço deles possui pós-graduação ou mestrado, em particular nas capitais do Sul e do Sudeste. Os dados mostram ainda que existem professores que concluíram apenas o segundo grau exercendo o magistério.

* Na maioria das cidades os professores se declaram insatisfeitos com a renda obtida com o seu trabalho no magistério (entre 76,9% em Maceió a 58,6% em Rio Branco). Os índices de insatisfação são bem mais altos entre os professores das escolas públicas, ainda que também nas particulares a tendência seja a mesma.

* Os alunos, quando solicitados a indicar os dois principais objetivos do ensino médio, marcaram com maior freqüência a opção “preparar para o curso superior (vestibular)”, opção que se concentra mais da metade das respostas quer nas escolas públicas quer nas privadas.

* A busca de um futuro melhor foi a segunda opção mais marcada pelos alunos quando questionados sobre os dois principais objetivos do ensino médio – quase metade deles na maioria das capitais.

* Cerca da metade dos professores e dos alunos consideram que o ensino médio deveria preparar para o mercado de trabalho ou para conseguir um emprego, mas concordam que tal finalidade melhor se cumpriria se o jovem pudesse continuar os estudos por cursos de nível superior.

* Muitos professores admitem não ter domínio sobre os conceitos e os objetivos principais da reforma, muitos também consideram que não foram devidamente preparados para a sua aplicação e adaptação às suas realidades, e a maioria critica a falta de debates e de participação quando da implantação da reforma.

* Os professores que admitem não dominar a informática são mais comuns nas redes públicas de ensino. As porcentagens de docentes pesquisados que admitem não dominar a informática, a depender da capital, variam de 24,6% a 7,2% nas escolas públicas e 7,7% a 1,2% nas escolas privadas.

* Segundo a indicação dos alunos os laboratórios são pouco usados como recurso pedagógico. Na rede pública, essa indicação varia de 92% a 89,9%. Nas escolas privadas, as proporções diminuem em todas as capitais, mostrando que os alunos dessas escolas têm mais acesso aos laboratórios, contudo não usufruindo uma situação ideal, pois entre esses a indicação de não utilização varia, de acordo com a capital, entre 86,3% a 9,1%.

* Sobre os espaços para a prática de atividades desportivas, entre 73% e 35,7% dos alunos de escolas públicas, de acordo com a capital, indicam que faltam esses espaços na escola. Entre os alunos de escolas privadas, mais de 2/5 dos alunos indicam falta de espaço para atividades esportivas.

* Observa-se que mais de 2/5 dos alunos indicam não aprender artes ou manifestações artísticas e culturais. É interessante observar que, geralmente, são os alunos das escolas públicas das capitais pesquisadas os que declaram, com mais freqüência, não ter acesso a esse tipo atividade na escola.

* O primeiro fato que chama a atenção em relação à avaliação dos banheiros é a incidência de notas zero. Considerando o conjunto dos alunos, observa-se que aproximadamente 1/5 deu nota zero aos banheiros de suas escolas. Ademais, a média das notas atribuídas aos banheiros é mais baixa na rede pública do que na rede privada. Na primeira, as médias variam, segundo a capital pesquisada, de 4,1 a 2,6. Já na rede privada, as médias vão de 6,7 a 5,0, a depender da capital.

* Tanto para os alunos quanto para os professores, os três principais problemas da escola são, em ordem decrescente: alunos desinteressados, alunos indisciplinados e falta de espaços.

* Aproximadamente 3/4 dos professores considera que o principal problema da escola são os alunos desinteressados. Além de elevados, os percentuais assinalados por professores de escolas púbicas e escolas privadas são bastante semelhantes na maioria das capitais pesquisadas.

* O aluno valoriza o aprendizado mas acha que o que aprende na escola é insuficiente. O grau de insatisfação é maior na pública.

* A reprovação é maior entre os alunos do turno noturno. O mais alto índice de reprovação no noturno – somando as percentagens referentes aos alunos que foram reprovados uma vez e mais de uma vez – é encontrado em Porto Alegre (76,4%), e o menor no Rio de Janeiro (50,6%). Para o turno diurno, tem-se a maior percentagem de reprovações em Salvador (62,8%), e a menor em Curitiba (32,2%).

* Os números da repetência também são altos. Em algumas capitais, cerca de metade ou mais dos alunos declaram que já repetiram o ano: Teresina (57,2%), Salvador (57%), Belém (56,5%), Macapá (54,1%), Rio Branco (52,5%), Belo Horizonte (48,9%) e Maceió (48,1%).

* É alto principalmente entre os alunos dos cursos noturnos de escolas públicas, a proporção dos que abandonaram alguma vez a escola e retornaram depois os estudos – 35,2% entre os alunos do curso noturno e 8,9% do curso diurno – considerando as 13 capitais pesquisadas.

* A pesquisa, a partir das vozes e vontades de alunos e professores e análises de ampla literatura, chega a um elenco de recomendações de políticas públicas, voltadas, entre outros temas, para: 1) as condições de vida dos alunos, a garantia de que possam se dedicar aos estudos, sugerindo neste sentido a ampliação da bolsa-escola para os jovens que cursam o ensino médio; 2) as condições de vida e qualidade do trabalho dos professores, recomendando melhoria salarial e formação continuada; 3) as condições do espaço e das práticas de relações, devendo-se cuidar tanto do espaço como do clima escolar; 4) medidas para melhoria da qualidade do ensino e cultivo do hábito e gosto por estudar, e 5) diversificação das atividades escolares, com ênfase na capacitação e acesso à informática, atividades desportivas, artísticas e culturais.

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